Título: Militantes petistas agridem jornalistas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Política, p. A12

Os militantes petistas que se reuniram ontem para receber o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio da Alvorada e na base aérea de Brasília substituíram históricos gritos de apoio ao petista por palavras de ordem contra a imprensa. Os principais alvos foram a Rede Globo e a revista "Veja", mas houve também gritos contra os jornais, entre eles a "Folha de S. Paulo".

Mesmo enquanto Lula abraçava e beijava os petistas, os gritos contra a mídia prosseguiram. Alguns pediam ao presidente reeleito que expulsasse os jornalistas e fizesse a comemoração somente com os militantes.

O tom da hostilidade começou na base aérea, quando alguns petistas puxaram "Ou, ou, ou, a Veja se ferrou" e "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Mais tarde, no Alvorada, alguns militantes, muitos deles funcionários comissionados do governo federal, passaram a interrogar um a um os jornalistas: "Tem alguém da Veja por aí?", perguntavam.

Enquanto os repórteres aguardavam Lula, os militantes provocavam "A ditadura era melhor do que a imprensa, eles matavam com baionetas, vocês matam com a língua", disse um militante. "Vamos fechar todos os jornais", gritou outro. Uma mulher de aparentes 50 anos, repetia: "Se perguntar de dossiê, leva um dossiê bem na cara".

No Alvorada, o clima ficou mais tenso com a chegada de Lula. Uma militante bateu três vezes com uma bandeira, de cabo de plástico, na cabeça de um repórter. Outro foi cercado, com gritos. Funcionários da Globo se trancaram no caminhão da empresa, temendo represálias, além das verbais.

O presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, repudiou o ato de violência, elogiou a liberdade de imprensa, mas criticou a mídia pedindo uma auto-reflexão sobre sua atuação na campanha eleitoral.

Também afirmou que a imprensa deve ao país a informação de que não teria havido a compra de deputados pelo governo, conforme descrito pelo ex-deputado Roberto Jefferson, em entrevista à "Folha de S.Paulo" em junho de 2005, no escândalo do mensalão. Segundo o petista, se houvesse jornalismo investigativo "mais consistente", isso já teria sido explicitado.

Ele se irritou ao responder a uma pergunta sobre o escândalo do "valerioduto". Disse que o fato de ter havido um esquema irregular de financiamento de campanha promovido pelo PT não significa compra de partidos aliados. "Tanto é assim que a imprensa investigativa não foi capaz de estabelecer nenhuma conexão entre votos e ingressos de dinheiro. Não há nenhuma evidência, e essa é uma das dívidas que setores da imprensa têm com a opinião pública, de que posições no Parlamento de apoio tenham sido cobradas", afirmou.

Ele cobrou da mídia que explique isso à população. "Esse é um problema que vai ter que ser esclarecido em algum momento. Historiadores talvez façam isso. Ou, se aparecer um jornalismo investigativo mais consistente, se lance luz sobre esse problema."

A entrevista de Jefferson à "Folha de S.Paulo" provocou uma das maiores crises do governo Lula, quatro deputados renunciaram e José Dirceu deixou o Ministério da Casa Civil.

Sobre a cobertura das eleições, Garcia disse que a "imprensa deve ser avaliada sobre seu desempenho. Caberá em primeiro lugar aos jornalistas fazerem uma auto-reflexão sobre o papel que eles tiveram na campanha eleitoral", disse.

Ele diz ter informações de que parte dos profissionais de imprensa partilha de sua opinião. "Sei que esse é um sentimento que atravessa uma parte dos jornalistas nas redações. Tenho informações disso e sei que existem instituições da sociedade civil preocupadas. Da mesma forma que sei que há movimentos crescentes de consumidores de órgãos de imprensa que manifestam a sua inconformidade através do cancelamento de assinaturas."

Para Garcia, essa realidade é "sadia". "Esses movimentos no passado permitiram que a imprensa se repensasse ? ? , afirmou. Deixando claro que espera um movimento espontâneo de autocrítica, ressaltou que "essa não é uma tarefa de governo". O petista disse que o PT condena "de forma muito clara" agressões a jornalistas e que defende a liberdade de imprensa.