Título: Novas regras podem afetar investimentos na Bolívia
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Brasil, p. A3

Um dia depois de assinados os contratos de exploração e produção de gás e petróleo na Bolívia, entre a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e dez companhias petrolíferas, entre elas a brasileira Petrobras, sobram dúvidas sobre vários pontos dos acordos, cuja íntegra não foi divulgada pelas partes envolvidas. Entre os pontos, um dos que possui mais informações divergentes é o compromisso das companhias com novos investimentos naquele país.

De acordo com uma fonte envolvida nas negociações, o próprio contrato com a Petrobras não obriga a estatal a fazer nenhum investimento. A informação contradiz entrevista dada pelo presidente da YPFB, Juan Carlos Ortiz, que afirmou que a Petrobras se comprometeu a desembolsar US$ 1,5 bilhão no desenvolvimento de novos projetos no país vizinho.

Entre os analistas que acompanham o setor petrolífero, ontem ainda era difícil mapear a situação de cada companhia, já que os acordos foram firmados separadamente, mas a avaliação é que elas agora ficarão em compasso de espera. Apesar do que tem sido dito pelos executivos das petrolíferas, há dúvidas sobre o retorno real que será possível com os novos contratos e também incertezas jurídicas, especialmente porque os contratos ainda precisam passar pelo Congresso, que pode modificá-los.

A impressão geral é de que a Petrobras e as outras empresas conseguiram garantias sobre os investimentos já realizados naquele país, sem prometer novos desembolsos até a aprovação pelo Congresso, tendo em vista que o MAS, partido do presidente Evo Morales, não tem maioria no Senado. Junte-se a isso o fantasma da nova Constituição boliviana, e se tem a atual conjuntura, que não permite vislumbrar a tão propalada "segurança jurídica" garantida no sábado por Morales.

"Pelo que se conhece até agora dos contratos, não houve nenhum compromisso de investimento novo por parte das empresas, apenas uma intenção de investir, que está amplamente usada pelo governo para fins políticos", observou um especialista do setor, que pediu para não ser identificado.

Para o economista Edmar Almeida, do Instituto de Economia da UFRJ, a Bolívia dificilmente vai conseguir atrair novos investimentos para aumentar a produção de gás em volumes significativos que permitam cumprir, por exemplo, o contrato firmado pela YPFB com a estatal argentina Enarsa.

"Com a tributação de até 82%, somada à turbulência que se vê lá, é difícil imaginar que vai haver investimento adicional e significativo das empresas. A Petrobras tem contrato de venda de gás para o Brasil e garantiu sua permanência para cumprir o contrato. Mesmo assim, do ponto de vista empresarial, foi muito ruim para ela, já que a rentabilidade dos investimentos estará no limite e ela tem outras oportunidades de investimento. Mas vai ficar na Bolívia para garantir o contrato", disse Almeida.

Um executivo de uma das empresas que negociou na Bolívia, contudo, tem uma visão diferente sobre os contratos assinados pelas companhias. Segundo ele, eles garantem condições mínimas de retorno para o investimento já feito. E para o investimento futuro, há a intenção das companhias de fazê-lo, desde que tenham garantida não só rentabilidade, como a entrega do gás, já que a YPFB passou a ser responsável pelo transporte do insumo. "Saímos de um quadro turvo para outro em que as coisas estão mais claras. Estamos apostando que o ambiente institucional se estabilize", explicou.

As primeiras empresas que assinaram contratos com o governo da Bolívia foram a francesa Total e a americana Vintage (filial da Occidental Petroleum), na sexta à noite, um dia antes do prazo final. O ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, disse que a Total se comprometeu a investir US$ 1,882 bilhão na exploração e desenvolvimento de três grandes campos de gás natural, sob contratos que lhe garantem direito de exploração por 30 anos e de produção por 20 anos. Já a Vintage teria que investir US$ 220 milhões em campos residuais. Não foram mencionados investimentos das demais companhias.

Ontem, a página do governo boliviano na internet informava que o próximo desafio é negociar com a Petrobras o controle das refinarias Gualberto Villarroel (em Cochabamba) e Guillermo Elder Bell (em Santa Cruz). Segundo a Agência Boliviana de Informações , o presidente da YPFB, Juan Carlos Ortiz, anunciou "para as próximas semanas, ou meses" o início das negociações com a Petrobras, já que as refinarias serão transformadas em propriedade da Bolívia, mas usou a palavra "comprar" em referência ao acordo necessário.

Antes disso, deve ser concluída a negociação sobre o preço do gás importado para o Brasil, tema mais sensível para o bolso da estatal. A companhia gasta cerca de US$ 1,2 bilhão por ano com as compras de gás, e se aceitar, por exemplo, um aumento de 25% no preço - dos atuais US$ 4,10 para US$ 5 o milhão de BTU - isso significará um custo adicional de US$ 300 milhões por ano, que pode não ser aceito pelas distribuidoras.