Título: Desafio é ampliar o combate à corrupção
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 27/12/2010, Política, p. 4

Nos últimos anos, PF e CGU intensificaram ações voltadas ao desvio de dinheiro público. Novo governo terá que acelerar as ações para evitar rombos que chegam a bilhões de reais

No início de 2004, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começava seu segundo ano à frente do Palácio do Planalto, um escândalo abalou o governo e a sociedade. Era o primeiro grande caso de corrupção envolvendo um integrante da gestão petista. O então subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, Waldomiro Diniz, foi acusado de receber pagamentos de propina na época em que atuou à frente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), autarquia do governo fluminense.

Ligado ao então ministro da Casa Civil, José Dirceu, Waldomiro foi o ¿pioneiro¿ dos escândalos durante a era Lula, que tiveram seu ápice no episódio do mensalão ¿ quando o próprio Dirceu e uma leva de autoridades do primeiro escalão caíram ¿ e, coincidentemente, terminaram onde tudo começou, na Casa Civil, com a queda da ex-ministra Erenice Guerra, acusada, entre outras irregularidades, de tráfico de influência.

Apesar das nódoas no currículo, a gestão de Lula deixa um legado positivo no combate à corrupção na administração pública. Nos últimos oito anos, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) realizaram em torno de 180 ações conjuntas, investigando 1,5 mil servidores suspeitos de corrupção. Só a PF foi responsável por outras 320 operações, prendendo 1,88 mil funcionários, sendo 100 deles de seus próprio quadros.

Em 20 investigações especiais, o governo conseguiu deter esquemas que chegaram a desviar quase R$ 3 bilhões somente entre 2006 e 2010, conforme mostrou levantamento feito pelo Correio no mês passado. Dinheiro suficiente, segundo o balanço, para construir mais de 75 mil casas populares e 3,2 mil escolas. Em alguns casos, os valores desviados em um único esquema ultrapassavam R$ 700 milhões, como verificou a PF ao analisar transferências da União para municípios nas áreas de saneamento e habitação. O caso deflagrou a Operação João de Barro, que resultou em 38 prisões em oito estados, em junho de 2008.

Outro fato marcante foi a prisão de dois governadores em pleno exercício de seus respectivos mandatos ¿ José Roberto Arruda (sem partido, ex-DEM-DF), e João Paulo Dias (PP-AP) ¿, fato inédito na história do país (veja matéria ao lado).

Empenho do Estado ¿Hoje, a corrupção não é só caso de polícia. O Estado está se empenhando muito no combate a esse tipo de crime¿, afirma o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. ¿Foi estabelecida uma parceria inédita entre CGU, PF e Ministério Público, e implantou-se um sistema de corregedorias que pune os corruptos com a perda de cargos enquanto não se consegue levá-los à prisão, porque isso depende de decisão judicial¿, acrescenta o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage. Ele foi um dos mais críticos quanto à demora da Justiça em dar soluções para casos de irregularidades envolvendo agentes públicos.

Cerco fechado

Conheça algumas das mais recentes ações realizadas pela PF e pela CGU no combate à corrupção

Taturana (AL) Investigou o desvio de R$ 280 milhões do orçamento da Assembleia Legislativa de Alagoas. As apurações identificaram 14 deputados envolvidos no esquema.

Mãos Limas (AP) Investiga o desvio de R$ 820 milhões de várias áreas, principalmente educação e saúde. O governador do Amapá, Pedro Paulo Dias, chegou a ser preso pela PF.

Caixa de Pandora (DF) Investiga irregularidades em torno de R$ 100 milhões. Envolveu o governador José Roberto Arruda e deputados distritais.

Navalha (vários estados) Apurou supostos desvios de R$ 170 milhões.

Hygeia (MT) Teve por objetivo estancar o desvio de recursos federais em vários municípios de Mato Grosso. O prejuízo aos cofres públicos passa de R$ 50 milhões.

Borduna (RO) Desarticulação de organização criminosa que desviava recursos públicos repassados pelo Ministério da Saúde. Prejuízo aos cofres públicos: R$ 2,1 milhões.

Mão Dupla (CE) Combateu esquema de fraude em licitações e desvio de verbas em obras de infraestrutura rodoviária realizadas pelo Dnit regional.

Parceria (PR) Desarticulação de esquema de desvio de recursos públicos federais praticados por meio de entidade privada no Paraná. Cerca de R$ 300 milhões teriam sido desviados.

Fumaça (CE) Desvio de recursos do Ministério da Saúde para obras de saneamento em municípios do Ceará. O prejuízo aos cofres públicos chegou a R$ 25,9 milhões.

Vassoura de Bruxa (BA) Investigação de procedimentos ilegais que permitiam o desvio de recursos de verbas federais, nas áreas de educação e medicamentos em 31municípios da Bahia.

Pororoca (AP) Apurou irregularidades em obras nos municípios de Macapá, Oiapoque e Santana.

Pendências

Orçamento Manter o orçamento da Polícia Federal e aumentar os recursos para a CGU

Servidores Aumentar o número de auditores, principalmente na CGU e na Receita Federal

Projetos Priorizar no Congresso a aprovação de um projeto de lei que responsabiliza pessoas jurídicas por atos de corrupção contra a administração pública para atender às convenções internacionais e aprovar no Senado o projeto que regulamenta o direito de acesso à informação de quaisquer documentos em poder dos órgãos públicos. A proposta já foi aprovada na Câmara

Enccla Manter as reuniões anuais da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla), que define as políticas para o setor a serem desenvolvidas a cada ano por diversos órgãos públicos

Governadores no paredão

Duas grandes investigações da Polícia Federal resultaram em prisões até então inéditas no país: de governadores em exercício. No Distrito Federal, José Roberto Arruda (sem partido, ex-DEM); e no Amapá, Pedro Paulo Dias (PP). Outros ex-dirigentes estaduais já haviam sido detidos pela PF, mas nenhum outro caso na história recente do país envolvia governadores com mandato.

Arruda ficou mais de um mês na prisão por causa das investigações feitas durante a Operação Caixa de Pandora, enquanto Dias esteve na carceragem por mais de duas semanas, por conta da Operação Mãos Limpas. As duas ações investigavam o pagamento de propina a servidores públicos e parlamentares.

Arruda deixou o cargo quando ainda estava na prisão, enquanto Dias, que não se reelegeu, segue no comando do estado. O amapaense foi detido ao lado do ex-governador Waldez Góes (PDT), que foi candidato ao Senado este ano, sem sucesso, e outras 16 pessoas, incluindo o presidente do Tribunal de Contas do estado, José Júlio de Miranda. (EL)