Título: Agências locais patinam para regular o setor
Autor: Maia, Samantha e Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Brasil, p. A4

A instituição de agências reguladoras de saneamento, um dos principais pontos do marco regulatório que aguarda aprovação da Câmara dos Deputados, não será algo novo. Desde 1999, funciona no município capixaba de Cachoeiro de Itapemirim, a Agência Municipal de Regulação dos Serviços de Saneamento (Agersa), responsável por cobrar da empresa Águas do Cachoeiro (Citágua) metas para o fornecimento do serviço de água e esgoto tratados à população. Hoje, a água chega a 99% das casas, enquanto 94% do esgoto é coletado e 85% é tratado. Há sete anos, esses percentuais eram, respectivamente, de 90%, 75% e 5%.

Cachoeiro de Itapemirim, contudo, não é a única localidade com uma agência reguladora para o setor. Além de outros municípios, pelo menos quatro Estados já instituíram um órgão para fiscalizar o serviço de empresas públicas ou privadas que atuam em saneamento e acompanhar a evolução das tarifas.

As experiências, porém - ainda muito recentes -, não permitem identificar os progressos. Essa é a avaliação do professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Frederico Turolla. Segundo ele, essas agências têm por enquanto uma capacidade limitada de atuação. "Elas ainda são fracas institucionalmente, o que compromete sua eficiência", explica.

As experiências mostram uma atuação mais centrada na cobrança de metas de universalização e na ampliação dos investimentos. Os resultados no acompanhamento das tarifas têm sido mais incipientes. O professor da FGV explica que o marco regulatório nacional ajudará o trabalho dessas agências. "A regulação estabelecida pelo marco trará princípios de boa administração, que poderão ser incorporados por elas", diz.

Entre os preceitos para um melhor funcionamento do órgão regulador estão a independência do Executivo e a submissão das decisões relevantes à consulta pública. Além disso, segundo Turolla, é importante que os membros indicados sejam sabatinados pelo Legislativo e tenham mandato fixo, sem recondução e não-coincidentes.

Desde 2001, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Ceará (Arce) fiscaliza a Companhia de Água e Esgoto do Estado (Cagece), que opera em 80% dos municípios cearenses. Entre as funções da Arce está o acompanhamento dos reajustes tarifários e da qualidade de atendimento do serviço. "A regulação só não ocorre de direito por causa da ausência de um marco regulatório", disse Alexandre Caetano, coordenador de Saneamento Básico da Arce.

Para o presidente da Agersa (a agência de Cachoeiro de Itapemirim), Luiz Felipe David Marin, o segredo para regular o setor está em elaborar bem o contrato com a operadora. "No contrato foi estabelecido um marco regulatório com cronogramas de investimentos e prioridades. Sem isso não é possível cobrar resultados da empresa depois." Segundo ele, a Citágua tem cumprido os acordos. O contrato também estabeleceu o mecanismo de reajustes anuais das tarifas: pelo IGP-M ou pela média dos reajustes nos municípios vizinhos, o que for menor.

Entre as cidades e Estados com agências reguladoras, as tarifas variam de R$ 0,98 o metro cúbico, como é o caso do Ceará, a R$ 1,93 em Pernambuco. Em relação à cobertura, os números também oscilam, de 82% de domicílios abastecidos com água tratada em Goiás, a 99% nas cidades de Cachoeiro de Itapemirim (ES) e Joinville (SC). A cidade catarinense, no entanto, derrapa na coleta de esgoto: apenas 11% das casas são atendidas.

Turolla, da FGV, explica que é complicado comparar tarifas porque as condições hidrológicas das regiões, entre elas o ambiente de captação e a própria disponibilidade de água, interferem bastante no custo do serviço. "Além disso, as empresas em geral estão com as tarifas defasadas e precisam aumentar investimentos", explica o especialista. Dessa forma, à medida que a regulação exigir a expansão do sistema, as tarifas deverão ser forçadas para cima.

Na cidade de Joinville (SC), por exemplo, a revisão de tarifas deverá começar em 2007 e segundo o diretor-presidente da Agência Municipal de Água e Esgotos (Amae), isso não significará necessariamente barateamento dos preços. "O sistema está em condições precárias, precisando de investimentos", diz. O nível de perdas comerciais e físicas do sistema é de 60%.

A Amae foi criada junto com a empresa municipal de saneamento quando o serviço foi municipalizado em 2001. Antes, era a estatal Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) que operava o serviço. "Não quisemos renovar a concessão por causa do histórico de baixo investimento da empresa", disse Naum Alves de Santana, diretor-presidente da Amae.

De setembro de 2002 a agosto de 2005, a Amae trabalhou na coordenação do processo de municipalização. Segundo Santana, isso fez com que a regulação fosse intervencionista. A agência tem, até hoje, acesso direto aos dados da empresa municipal, mas o objetivo é que a companhia possa ser independente. "A partir de 2007, deveremos regular por indicadores, estabelecendo metas, e não por meio de ação direta", diz o executivo. Até o fim de 2007 também deve ser elaborado um plano de investimentos para a área de saneamento no município.

Em Goiás, as metas de expansão do serviço ainda estão sendo estudadas pela Agência Goiana de regulação, Controle e Fiscalização de serviços Públicos (AGR) e devem ser implementadas a partir do ano que vem. Um dos objetivos da agência é montar um índice de reajuste de tarifas com base em uma cesta de custos que influenciam o preço do serviço.

A regulação começou no ano passado, e segundo Gustavo Faleiros, diretor de saneamento e recursos naturais da AGR, a empresa estatal Saneamento de Goiás (Saneago), que opera em 223 dos 246 municípios do Estado, ainda está em fase de adaptação às regras de controle da qualidade do atendimento e tarifas.

Em Pernambuco, a regulação inclui definição de tarifas, controle de esgoto e qualidade da água e instalações. Mas não se estende a metas de universalização. A Agência de Regulação do Estado (Arpe) regula desde 2001 a Compesa, companhia de saneamento estatal. Para o presidente da Arpe, Fred Maranhão, a regulação é "complicada" no setor. "Essa área não está organizada como a de teles ou de energia elétrica. O Brasil não tem ainda marco regulatório para o setor e não há recursos financeiros para a universalização."

Sobre a tarifa de água, uma das mais altas entre os locais que possuem órgão regulador, Maranhão diz que nos últimos três anos, as propostas de reajuste da Compesa têm sido revisadas para baixo pela Arpe. Em 2006, a proposta da operadora era de 11,76%. A agência permitiu 6,49%. Maranhão justifica os reajustes. Diz que de 1998 a 2006 a inflação medida pelo IGP-M foi de 140% enquanto os reajustes de tarifa ficaram em 134%.

No Rio de Janeiro, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) atua apenas na região dos Lagos, operada por duas empresas privadas, a Águas de Jaturnaíba e a Prolagos. O contrato, assinado em 1997, previa que as concessões seriam reguladas por uma agência estadual, um pedido dos municípios.

A agência regula tarifas e também a universalização. Segundo o presidente da agência, José Cláudio Murat Ibrahim, as duas empresas tinham planos de investimentos e metas de universalização para cumprimento entre 2006 e 2009 que já foram completamente realizados. "Estamos agora discutindo os planos que entrariam em vigor a partir de 2009 mas que serão adiantados."

Ele diz que no último ano, as duas empresas avançaram em 20% na questão da universalização e que contaram com incentivos para viabilizar o investimento. Além de um aumento de tarifa de 5% no último ano, houve também o diferimento de ICMS por meio da redução de base de cálculo do tributo.

As duas operadoras abrangem, porém, uma porção pequena do Rio de Janeiro. A maior empresa de água e esgoto do Estado é a Cedae, estatal, e que abastece 80% do território fluminense, mas não é regulada pela agência.