Título: Aneel vai ampliar mercado livre
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Empresas, p. B1

O mercado livre de energia e as fontes alternativas de geração de eletricidade devem ganhar um novo incentivo em novembro, mas a conta pode acabar sendo paga pelos consumidores cativos. No próximo mês, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pretende votar minuta de resolução com a flexibilização de critérios para que empresas deixem de ser clientes cativas e migrem para o mercado livre, onde têm mais liberdade de compra. Hoje, a demanda mínima para a migração é de 3 megawatts (MW) ou de 500 kilowatts (kW) - no último caso, desde que a energia seja oriunda de fontes alternativas, como eólica, biomassa ou pequenas centrais hidrelétricas.

A nova resolução, que tende a ser aprovada pelos diretores da agência reguladora, permite a associação de unidades consumidoras, com "comunhão de interesses de fato ou de direito", para juntas atingirem uma demanda igual ou superior a 500 kW. Ou seja: poderão associar-se, para fins de compra da energia, diversas unidades de uma mesma empresa. Um exemplo hipotético é o de agências bancárias de uma mesma instituição financeira, que têm "comunhão de interesses de direito". Outro exemplo: shopping centers, supermercados e redes varejistas que ocupam o mesmo quarteirão e - dependendo da interpretação que a Aneel fará sobre o assunto - têm interesses comuns "de fato".

O Valor apurou que a intenção da agência é dar um novo estímulo à produção de energia alternativa, e não propriamente incentivar o mercado livre, embora os efeitos estejam vinculados. Para os agentes do setor, uma das incógnitas é saber a abrangência da resolução: como a Aneel definirá a "comunhão de interesses" e se permitirá que os contratos de "consórcios" de consumidores no mercado livre sejam negociados por meio empresas comercializadoras de energia elétrica.

O diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Paulo Mayon, estima que existem 5.000 unidades consumidoras que, vinculadas, podem formar cerca de 50 consórcios e totalizar uma demanda de 500 MW no mercado livre, em cinco anos. Há grande potencial entre bancos, hotéis, redes varejistas e condomínios empresariais, diz Mayon.

Na minuta de resolução, o órgão prevê que os grupos de consumidores devem avisar as distribuidoras, com antecedência de 180 dias, a respeito de eventual migração - em vez dos cinco anos que são necessários nos demais casos. Como a energia proveniente de fontes eólicas ou biomassa, por exemplo, são mais caras, deverá haver um incentivo para a migração.

A TUSD - tarifa cobrada pelas concessionárias pelo uso da rede elétrica de distribuição - poderá ter desconto de 50%. Essa é uma das principais receitas das distribuidoras, que serão compensadas pela perda, caso a proposta da Aneel seja aprovada. Os consumidores que migrarem para o mercado livre deverão ter o desconto da TUSD, mas as distribuidoras não ficarão com o prejuízo: a perda de receita será compensada pela elevação proporcional da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) - tributo que tem, como um dos seus objetivos, estimular o uso de energias alternativas.

A CDE corresponde a aproximadamente 2,5% das contas de luz residenciais e arrecada cerca de R$ 2 bilhões por ano. Isto é, os consumidores cativos podem acabar arcando com o subsídio na TUSD. "Alguém vai pagar a conta", adverte o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Carlos Guimarães. De acordo com ele, as concessionárias sofrerão perdas indiretas se o tributo for elevado.

Primeiro, com os danos à imagem, já que as queixas dos consumidores residenciais, quando as contas de consumo aumentam, se voltam contra as distribuidoras, com quem têm relação direta. Segundo, com o crescimento da perspectiva de inadimplência e furto, sempre que as tarifas sobem. "Defendemos que a Aneel regulamente de forma restritiva."

O assunto foi discutido em audiência pública na Aneel, no início do ano. Participaram, além de agentes do setor, potenciais interessados, como bancos e varejistas. A Cia. Brasileira de Distribuição (controladora do Pão de Açúcar, Extra e Sendas) afirmou que gasta R$ 240 milhões anuais com a compra de energia - são 574 contratos de fornecimento, num montante de 200 MW, com 19 distribuidoras diferentes. Em tese, a migração para o mercado livre pode simplificar a gestão desse tipo de despesa.

A Anace defende outras mudanças de critérios, que dependem do Ministério de Minas e Energia. É o caso da redução da demanda mínima, de 3 MW, para 2 MW e 1 MW, de forma progressiva. Hoje, só pode ir ao mercado livre quem é abastecido pela rede de alta tensão (69 kV). A entidade quer a eliminação da exigência de 69 kV, o que permitiria a migração de indústrias têxteis e farmacêuticas, hipermercados e shopping centers, segundo Mayon. Na semana passada, ele apresentou essa proposta ao ministério. Também sugeriu que a demanda mínima caia para 2 MW em 2007 e 1 MW, em 2008.

"O governo entende que é hora de tratar o desenvolvimento do mercado livre como prioridade", afirma o executivo. Segundo ele, a eliminação da exigência de alta tensão pode gerar migração de 4,5 mil MW em cinco anos. Se houver queda do piso da demanda, pode haver migração de outros 6 mil no mesmo período.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se pronunciou. "As distribuidoras ficam preocupadas em perder os clientes do dia para a noite, mas, com as mudanças propostas, ocorreria um processo migratório gradual", argumenta Mayon.