Título: Após quatro anos, MT perde a liderança na demanda por adubos
Autor: Lopes, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Agronegócios, p. B12

Maior consumidor de fertilizantes do país nos últimos quatro anos, o Mato Grosso deve perder o posto em 2006 graças à crise de liquidez e renda no segmento de soja. Carro-chefe do agronegócio local - e nacional - e maior responsável pelo crescimento do Estado desde o início da década, o grão passou de herói a vilão da economia mato-grossense desde 2005, e entre janeiro e setembro deste ano foi o principal responsável pela retração das vendas de diversos insumos agrícolas no país, amenizada sobretudo pela boa fase da cana.

No caso dos fertilizantes, a redução das entregas ao consumidor final chegou a 19,2% no Mato Grosso nos nove primeiros meses de 2006, segundo a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). As vendas somaram 2,040 milhões de toneladas e ficaram aquém do volume comercializado em São Paulo e no Paraná no intervalo. No primeiro brilhou o bom momento sucroalcooleiro, marcado pela expansão da área plantada de cana. No Estado do Sul, também rico em soja, a crise dos grãos foi mais amena devido, em parte, a vantagens logísticas.

No mercado paulista, o volume entregue aumentou 6,5% em relação aos três primeiros trimestres de 2005 e alcançou 2,167 milhões de toneladas; no paranaense, as entregas cresceram 2,1% na comparação, para 2,074 milhões de toneladas de fertilizantes intermediários, conforme a Anda. No total, a demanda brasileira somou 12,980 milhões de toneladas de janeiro a setembro de 2006 e ficou 2,9% abaixo do total do mesmo período do ano passado.

Conforme Eduardo Daher, diretor-executivo da Anda, as entregas em todo o país deverão atingir 19,5 milhões de toneladas no acumulado de 2006 - 500 mil toneladas a mais do que o previsto pela entidade em maio, mas ainda 3,5% abaixo do volume entregue aos produtores no ano passado. O patamar também seguirá distante do recorde de 2003 e 2004 (22,8 milhões de toneladas), que, dependendo da velocidade da prevista recuperação da soja, só voltará a ser alcançado depois de 2010.

Para produtores e empresas de insumos, os reflexos negativos da crise da soja não aparecem apenas no Mato Grosso, e o mapa das vendas de adubos é um bom termômetro desta geografia. O levantamento da Anda mostra retrações na comercialização de fertilizantes em outros Estados dependentes da cultura, como Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins (ver infográfico nesta página). O Rio Grande do Sul é uma exceção, mas porque no ano passado o Estado acusava graves reflexos de uma prolongada estiagem que abateu a safra local.

Da mesma forma que São Paulo, também se destacaram no mercado de fertilizantes graças à pujança da cana, entre janeiro e setembro deste ano, os Estados de Alagoas e Pernambuco, principais parques sucroalcooleiros do Nordeste. Os pernambucanos apresentaram a maior taxa estadual de crescimento nas vendas nos primeiros nove meses deste ano - 23,7% sobre o intervalo de janeiro a setembro de 2005. "Se você perguntar ao pessoal de defensivos como estão as vendas no país, verá que está acontecendo a mesma coisa", afirma Eduardo Daher.

A crise de renda da soja está refletida nas relações de troca que mostram a quantidade de produto agrícola necessária para a aquisição de 1 toneladas de adubo. Na média de 2002, 15,6 sacas de 60 quilos do grão eram suficientes, volume que ficou em 15,5 sacas em 2003, passou a 17,3 em 2004 e chegou a 19,6 em 2005. Até setembro de 2006, foram necessárias, em média, 20,8 sacas, mas o volume caiu nas últimas semanas graças à recuperação das cotações do grão no exterior e no Brasil. Já a cana fez o caminho inverso: se em 2004 o produtor precisou de 26,7 toneladas do produto para obter 1 tonelada de adubo, neste ano o volume já caiu para 16,9 toneladas.

Além das entregas ao consumidor final, a crise da soja "atrasou" as importações brasileiras de fertilizantes - há demourrage no porto de Paranaguá (PR) -, que até setembro atingiram 8,475 milhões de toneladas de produtos intermediários, 3,6% menos que em igual intervalo de 2005. Como o mercado depende de importações, o volume produzido no país não caiu, ainda que a rentabilidade de fabricantes de matérias-primas como Fosfertil e Copebrás tenha ficado comprometida.

Segundo Daher, mesmo que a previsão de vendas para o ano tenha melhorado em 500 mil toneladas, a demora dos sojicultores em comprar insumos em virtude da crise já "engargalou" a distribuição em setembro, o mesmo ocorre em outubro e o cenário vai se repetir em novembro. "Em outubro e novembro, o setor deverá vender entre 3 milhões e 3,1 milhões, que é o limite logístico que temos. As fábricas estão trabalhando a todo o vapor", afirma. Também por isso é improvável uma "virada" do Mato Grosso até dezembro.