Título: Receita vai fiscalizar recursos no exterior
Autor: Galvão, Arnaldo e Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Finanças, p. C1

O governo divulgou ontem algumas medidas que regulamentam o pacote cambial, anunciado em agosto, que concede aos exportadores maior flexibilidade para as empresas trazerem ao país os dólares de suas exportações. As empresas vinham reclamando que, por falta de regulamentação, não se sentiam seguras para usufruir da faculdade de deixar no exterior 30% de suas suas vendas. As normas resolvem parte do problema, mas para o pacote valer na prática ainda faltam alguns detalhes.

Norma divulgada ontem diz que as empresas que optarem por deixar no exterior até 30% das suas receitas com exportações terão de apresentar à Receita Federal, uma vez por ano, declaração identificando, mês a mês, o destino desses recursos.

O secretário adjunto da Receita, Carlos Alberto Barreto, reconheceu que, agora, há mais foco no controle porque a Receita terá acesso às informações sobre o destino desse dinheiro. Antes, segundo o secretário, já havia algum controle, mais difuso, dessa parcela do faturamento das exportações que ficava no exterior.

Barreto e outro secretário adjunto da Receita, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, divulgaram ontem as normas da Portaria Conjunta 1.064 (Banco Central e Receita) e a Instrução Normativa (IN) 687, ambas regulamentando a MP 315.

A Portaria 1.064 define que, em até 90 dias, estará disponível um sistema eletrônico do BC que vai dar à Receita acesso a diversas informações. Entre as principais estão: nome e número do CNPJ do vendedor da moeda estrangeira, consolidação mensal das liquidações por tipo de moeda estrangeira, o respectivo contravalor em reais e nome e número do CNPJ da instituição financeira compradora da moeda.

Pelo sistema, os bancos vão reunir todas as operações de liquidação de câmbio de exportação realizadas por uma empresa num determinado mês, repassando as informações consolidadas ao BC - que fará a transferência para a Receita.

A resolução 3.417 do Conselho Monetário Nacional (CMN) fez um ajuste de prazos de liquidação de operações de câmbio de exportação para que seja possível os bancos repassarem as informações de forma consolidada. Antes, as empresas tinham 360 dias para liquidar o câmbio da exportação, a partir do embarque da mercadoria. Agora, o prazo é até o último dia útil do 12º mês após o embarque. Na prática, o exportador ganha mais até 30 dias para fechar o câmbio.

A IN 687 exige dos contribuintes informações sobre o destino dos até 30% das receitas de exportações deixados no exterior. Esses recursos só poderão ser aplicados para a realização de investimentos, aplicação financeira ou pagamento de obrigação própria do exportador, proibidos empréstimos ou mútuo.

Ainda não foi divulgado o prazo, em 2007, da primeira entrega dessa declaração, mas a multa pelo descumprimento é de 0,5% sobre o valor dos recursos não informados. Essa penalidade será reduzida à metade no caso de perda de prazo e dobrada em caso de fraude.

Na opinião de Barreto, a MP 315 é auto-aplicável. Portanto, já permitia, desde 3 de agosto, que as empresas aproveitassem a oportunidade da menor cobertura cambial. Mas o diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, contestou essa avaliação. Disse que os exportadores tinham uma relação muito fácil com o Banco Central no cumprimento das obrigações cambiais, mas, com a transferência de poderes para a Receita, o que houve foi temor de receber penalidades. Na opinião de Castro, as empresas não aproveitaram essa possibilidade que surgiu em agosto com medo de serem multadas pela Receita. Fontes do BC reconhecem que, por falta da regulamentação, a regra acabou não se aplicando na prática.

Cardoso criticou esse temor: "A MP 315 não ampliou poderes da Receita. Esse temor me parece mais um movimento para esconder o destino dos recursos", rebateu.

A advogada tributarista Renata Pisaneschi, do escritório Machado Associados, alertou que, a partir da regulamentação da MP 315, a Receita terá controle muito mais poderoso sobre todos os recursos que entram no país oriundos das exportações, mas também sobre os até 30% desse dinheiro que pode ficar no exterior. Antes da MP 315, a Receita tinha de acionar um convênio que tinha com o BC, o que tornava o processo mais complicado.