Título: Corrente de operações
Autor: Torres, Carmen Lígia
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Caderno Especial, p. G1

Já foi o tempo em que a tecnologia do produto reinava soberana nos planos estratégicos das empresas. Hoje, ao lado do desenvolvimento do produto, a logística faz a absoluta diferença na hora de competir. Com a concorrência cada vez mais acirrada, a qualidade da logística é o que permite às empresas entregarem seus produtos de forma ágil e barata nos pontos de venda.

Em pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Logísticos (CEL) da Coppead/RJ com 40 grandes empresas brasileiras, 77% responderam que as informações logísticas são, atualmente, importantes para o planejamento estratégico. E para 86% dessas empresas, as informações logísticas norteiam decisões das áreas do alto escalão hierárquico, da alta gerência à presidência.

Na Whirlpool do Brasil, a maior fabricante de eletrodomésticos da América Latina, proprietária das marcas Brastemp e Cônsul, por exemplo, é sobre a área de logística que recai a responsabilidade pela concretização da visão da empresa: "estar em todos os lares e em todos os lugares". Paulo Miri, gerente geral de logística da corporação, diz que a "Cônsul é uma marca que está em 50% dos lares do Brasil, e a Brastemp em 44%, e só é possível manter indicadores assim quando se pratica uma logística eficiente.

A Nokia do Brasil, que atua no dinâmico e competitivo segmento de celulares, também tem na logística uma ferramenta estratégica. "Nossa cadeia de abastecimento tem que ser bastante ágil e flexível, para responder às variações da demanda de maneira satisfatória", afirma Robina Souza, responsável pela área. Ela adianta que os parceiros logísticos participam das discussões estratégicas da empresa, para que respondam com eficiência às necessidades e às prioridades da marca.

A importância da logística começou a ascender aos altos escalões das empresas há cerca de 10 anos, quando se acelerou o processo de produção e de competitividade com a abertura do mercado brasileiro. Ao mesmo tempo, o custo do dinheiro elevado exigiu das empresas crescentes reduções no custo de produção.

Paulo Fleury, diretor da CEL/Coppead, diz que gerenciar estoques tornou-se imperativo. "Isso valeu, e vale, tanto para o pequeno varejista como para o grande fabricante", afirma. Para evitar grandes estoques, somente com a logística integrada, a empresa consegue otimizar fluxos e adequar produção e vendas da maneira mais racional, que seja compatível com a rentabilidade exigida pelo negócio.

Com as mudanças na economia, operadoras internacionais começaram a operar no Brasil. Em 1997, a receita anual do setor foi de R$ 1 bilhão, e não havia mais do que 35 operadoras. No final de 2004, sete anos depois, a CEL/Coppead registrou um faturamento de R$ 16,4 bilhões em de 118 operadoras logísticas. Desse universo, 35% são pequenas (até 99 funcionários), 37% são médias (de 100 a 499 funcionários) e 28% são grandes (acima de 500 funcionários) empresas.

Adalberto Panzan Júnior, presidente da Associação Brasileira de Logística (Aslog), prevê para 2006 um crescimento de 20% no setor de logística, o que engloba não apenas o faturamento das operadoras como também a movimentação de materiais e serviços necessários para que essa complexa engrenagem funcione. Pelos dados da CEL/Coppead, a logística representou 12,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Grande parte desse movimento é devido ao transporte, considerado como o "calcanhar de aquiles" da logística brasileira. Na pesquisa macroconômica da CEL/Coopead, o transporte ficou com a participação de 7% dos custos logísticos, vindo em seguida o item estoque, com 4% de participação, depois a armazenagem com 0,6% e o administrativo com 0,5%.

Esses números da macroeconomia são compatíveis com os encontrados na pesquisa microeconômica, junto ao universo das empresas. A média calculada para os custo logísticos das empresas foi de 7,4% da receita líquida, sendo desse total, 65% com transporte, incluídos distribuição, transferência e suprimento.

A Whirlpool não trabalha com operador logístico. Pratica a logística integrada, que inclui os processos e sistemas que envolvem a recepção (suprimentos) e a expedição (distribuição) das quatro unidades fabris, em Manaus (AM), Rio Claro (SP), Joinville (SC) e São Paulo (SP). Dois centros de distribuição, um em Tamboré (SP) e um em Recife (PE), fazem a distribuição fracionada. O transporte não é próprio, mas administrado de maneira centralizada. "Nossos esforços são para reduzir esse item, buscando diminuir a ociosidade dos fluxos de carga", diz Miri. A idéia é diminuir a participação do transporte rodoviário em seu mix, atualmente de 75%. "Estamos apostando na cabotagem e também na ferrovia, em menor escala."

Driblar os custos do transporte para amenizar o custo logístico também é o alvo das operadoras. A famosa distorção da matriz brasileira de transporte, resultado de uma infra-estrutura deficiente, é um dos grandes desafios brasileiros que tem afastado do mercado brasileiro a entrada de novas operadoras logísticas internacionais. " Como o maior custo da logística é o do transporte, os problemas brasileiros nessa área reduzem muito a rentabilidade das operadoras multinacionais, afastando muitas delas da operação no país " , acredita Geraldo Vianna, presidente da NTC & Logística, entidade que reúne as empresas de transporte rodoviário do Brasil.

No entanto, as empresas do setor com vontade de desbravar o mercado enxergam boas possibilidades. No segmento de operadores, a Standard Logística e Distribuição é uma delas. "Trata-se de um mercado de oportunidades enormes", diz José Luis Demeterco, um dos sócios da empresa. Responsável por produtos de grandes marcas, como Nestlé, Danone, Kibon, Batavo, Sadia e Seara, a Standard inovou na parceria com a América Latina e Logística (ALL), no desenvolvimento de um trem expresso frigorificado, que tem transportado, há quase um ano, 40% da produção de aves e carnes que a Sadia exporta pelo porto de Rio Grande (RS). Além de produtos de outras embarcadoras.

As concessionárias ferroviárias já investiram R$ 9,5 bilhões, de 1997 até 2005, segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). No mesmo período, o governo federal investiu apenas R$ 600 milhões nas linhas de trens. Por isso, a carga transportada cresceu 55% no período, de 253 milhões para 392 milhões de toneladas úteis, transportando diversos tipos de produtos, granel e contêineres.

A maior parte das concessionárias de ferrovias está investindo em inovações para oferecer às empresas soluções logísticas que, de alguma forma, consigam reduzir os custos internos. A ALL, por exemplo, adquiriu a Transportadora Delara, há quatro anos. Além disso, fez parceria com o espanhol Grupo Besco, para construir uma fábrica de vagões.

Entre 1997 e 2005, a empresa investiu R$ 1,1 bilhão em via permanente, material rodante (locomotivas e vagões) e tecnologia, entre outros. A estratégia de atuar em parceria resultou, só em 2005, em um investimento de R$ 250 milhões pela ALL e mais de R$ 200 milhões pelos clientes.

A cabotagem também está entrando em um novo ciclo, com perspectiva de crescimento entre 35% e 40%, voltando a ocupar o importante papel que ocupava na década de 80. A líder em cabotagem no Brasil é a Aliança Navegação e Logística (Hamburg Süd), com 55% do mercado, seguida da Docenave (Vale do Rio Doce e Mitsui), com 25%, e da Mercosul Line (Maersk), com 20%. Para 2007, mais uma gigante, a francesa CMA CGM, terceira do mundo no transporte de contêineres, se prepara para competir. "A cabotagem é de interesse estratégico para a CMA CGM", diz Luiz Guilherme Pochaczevsky, diretor comercial da empresa no Brasil.