Título: Ferramentas de qualidade
Autor: Vieira, Maria Cândida
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Caderno Especial, p. F1

As empresas brasileiras ainda investem muito pouco em inovação. Além das restrições macroeconômicas, como juros altos e elevada carga tributária, há insegurança jurídica, problemas nos marcos regulatórios e, principalmente, a falta de uma cultura de inovação no Brasil. Esse panorama dificulta a competitividade empresarial, uma vez que a inovação responde por 80% a 90% do crescimento de produtividade das empresas em países mais desenvolvidos.

Com a Lei de Inovação, aprovada em dezembro de 2004, e o decreto 5.798, de junho deste ano, que regulamenta os incentivos fiscais para as atividades de pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, a expectativa é que esse panorama comece a mudar.

Entre os incentivos previstos estão a redução de 50% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre máquinas e equipamentos destinados à tecnologia e a aumento na taxa de depreciação de máquinas, equipamentos e instrumentos novos destinados à inovação. Além desses benefícios, o governo está criando ainda um fundo com o mesmo objetivo para micro e pequenas empresas com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

"Espera-se que, com os incentivos às empresas inovadoras, a situação melhore para que o Brasil reduza as desvantagens em relação a outros países emergentes", afirma Carlos Olavo Quandt, professor titular de pós-graduação em administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Quandt lembra que um dos benefícios previstos na legislação é a alíquota zero do Imposto de Renda (IR) nas remessas efetuadas ao exterior para o registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

Esse estímulo para patentear produtos no exterior é importante porque o Brasil está perdendo espaço nessa área em relação a outros países em desenvolvimento. Em 1990, por exemplo, o Brasil registrou 88 patentes depositadas nos Estados Unidos, enquanto a China tinha 111 e a Coréia do Sul 775, segundo Anna Goussevskaia, professora e pesquisadora da Fundação Dom Cabral (FDC). Em 2004, a Coréia do Sul tinha elevado o total para 13.646 patentes, a China para 1.655 e o Brasil para apenas 287. "Não estamos crescendo como deveríamos crescer em comparação com outras economias emergentes", constata a pesquisadora. Dados da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) mostram que, em meados dos anos 90, o Brasil respondia por 16,3% das patentes registradas por países em desenvolvimento e, atualmente, tem apenas 4,2%.

Os números da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) mostram a vulnerabilidade da indústria nacional para competir no mercado mundial. Embora os dados sejam relativos ao ano de 2003, eles são os mais recentes disponíveis no país. A taxa inovação da indústria brasileira, segundo a Anpei, aumentou de 31,5% entre 1990 e 2000 para 33,3% de 2001 a 2003. Apesar disso, esse ligeiro crescimento foi acompanhado por uma redução de 12% nas atividades consideradas realmente inovadoras, principalmente em pesquisa e desenvolvimento (P&D) dentro das empresas.

No ranking nas economias emergentes, os países conhecidos pela sigla BRICs - Brasil, Rússia, Índia e China - o Brasil investiu, em 2002, US$ 12,2 bilhões em P&D, bem menos do que a Índia, por exemplo, que aportou na área US$ 20,7 bilhões em 2000. Já a China, no ano de 2003, fez investimentos de US$ 84,6 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. O Brasil não possui dados consolidados dos investimentos em P&D após 2002.

Os dados constam do estudo "Inovação tecnológica no Brasil - a indústria em busca da competitividade global", realizado pela Anpei e divulgado nesta última semana, que analisou informações de 84.262 empresas, distribuídas em 91 atividades industriais da última Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O trabalho constata que 79,3% das empresas dão pouca importância à realização de P&D interna. Em 2000, só 24,2% das empresas consideravam altamente importante a realização de pesquisa e desenvolvimento e esse percentual caiu para 17,2% em 2003. Esses dados só confirmam a falta de uma cultura de inovação nas companhias brasileiras.

Para Maurício Mendonça, gerente de competitividade industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil realmente não tem tradição em tecnologia de ponta. "As grandes inovações recentes não surgem especificamente em um país, mas sim nas transnacionais", diz. Na eletrônica, por exemplo, as inovações aconteceram com o MP3 e Ipod, que estão destruindo as indústrias de CDs. A biotecnologia, a nanotecnologia, os produtos farmacêuticos e químicos também avançam rapidamente nas grandes corporações, segundo esta análise.

Embora os investimentos em tecnologia sejam importantes, inovação não significa apenas invenção, porque inclui processos de gestão, organização, gerenciais, comerciais e financeiros. A professora Anna Goussevskaia, da Fundação Dom Cabral, lembra que o Grupo Gerdau inovou sua gestão ao criar unidades de negócios menores, que permitem às pessoas implementarem idéias de forma mais rápida. Outro exemplo é a Gol, empresa de aviação, que inovou seu modelo de negócio ao adotar desde seu início custos bem mais baixos em relação a outras empresas do setor. "São dois processos diferentes, com resultados muito lucrativos", ressalta.

Por levar em conta todas as dificuldades existentes no país e reconhecer os esforços de empresas que investem para aumentar a competitividade, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) criou, em 2001, o Prêmio CNI, que contempla três categorias: Inovação, Qualidade e Produtividade; Desenvolvimento Sustentável e Design; e duas modalidades: média e grande empresas e micro e pequena empresas. Hoje, em Brasília, a CNI divulga os premiados de 2006, que foram selecionados e indicados pelas 27 federações de indústrias do país.

"O Prêmio CNI é o reconhecimento da força de vontade dos empresários brasileiros em desenvolver a competitividade e a sustentabilidade de seus negócios", diz Maurício Mendonça, ao destacar que a premiação dá visibilidade à sociedade sobre o quê as empresas do Brasil estão fazendo, sejam elas grandes, pequenas ou micro.

Para Mendonça, a questão da competitividade deve ser analisada em termos dos diversos mercados existentes: local, regional, nacional e externo. No mercado interno, as empresas têm avançado com melhorias em termos de gestão, qualidade, produtos adequados, mesmo porque quem "não faz isso acaba falindo". Já no mercado externo, as empresas do Brasil são competitivas nas áreas de siderurgia, papel e celulose, mineração, indústria aeronáutica, automobilística e eletrônica, neste caso com exportações de computadores e celulares. Em outros ramos da indústria, como o têxtil e calçados, há enormes desvantagens. "As empresas desses segmentos são afetadas por importações a preços aviltados, contrabando e falsificações".

A falta de marcos regulatórios e a insegurança jurídica dificultam ainda mais a questão da competitividade brasileira do que as restrições macroeconômicas, segundo avaliação de Maurício Mendonça. De acordo com ele, um investidor não deixa de construir uma hidrelétrica no Brasil, porque a taxa de juro é A ou B, mas porque as regras em relação ao meio ambiente não são claras e há burocracia nas agências reguladoras. A falta de segurança jurídica acontece, por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julga diferentemente do que está previsto nas leis.

Além de resolver esses nós jurídicos e de regulamentação, para acelerar sua competitividade o Brasil precisaria agilizar uma série de políticas públicas, que já existem no papel mas que ainda não foram implementadas. Um exemplo disso é a Política Industrial e o Programa Nacional de Nanotecnologia. "É preciso fazer as prioridades virarem realidade", ressalta Mendonça, defendendo que o governo tem de ser mais ousado para, por exemplo, concentrar recursos para essas atividades em algumas instituições ao invés de pulverizá-los por várias delas.

O presidente da Anpei, Hugo Borelli Resende, propõe esforços para elevar a inovação e, conseqüentemente, a competitividade no Brasil, por meio de uma mobilização para que as empresas se sensibilizem sobre a importância da mudar o patamar tecnológico. Para isso, a entidade sugere financiamentos com taxas de juros próximas das praticadas no mercado internacional e apoio às tecnologias emergentes como nanotecnologia e biotecnologia.

O Brasil em termos de competitividade mundial ocupa o 52º lugar em 2006, de uma lista de 60 países, de acordo com International Institute for Management Developement (IMD), que analisa todos os anos a capacidade de um país em prover um ambiente no qual as empresas possam competir. São levados em conta para a classificação 312 indicadores quantitativos e qualitativos.

No ano passado, o Brasil estava na 51ª posição. O país mais competitivo continua sendo os Estados Unidos, seguidos de Hong Kong, Cingapura, Islândia e Dinamarca. Dos emergentes, a China passou este ano a ocupar a 19 ª posição, na lista anterior estava em 31º. Já a Índia ao ficar em 29 º este ano subiu dez pontos.

Entre os fatores que contribuíram para o Brasil ficar na 52º lugar consta a eficiência empresarial, com uma queda de 11 posições. Segundo o trabalho, as empresas brasileiras vêm perdendo eficiência em relação aos seus concorrentes internacionais. Isso pode estar ocorrendo devido à melhoria das concorrentes ou à deterioração do ambiente macroeconômico.