Título: EUA impõem regras trabalhistas em acordos comerciais
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2007, Internacional, p. A10

Líderes do Partido Democrata e integrantes do primeiro escalão da governo do presidente George Bush anunciaram ontem terem alcançado um acordo que abre caminho para que o Congresso americano aprove os tratados comerciais que os Estados Unidos assinaram com o Peru e o Panamá no ano passado.

O acerto prevê a inclusão nos textos dos acordos comerciais de dispositivos que obrigarão os parceiros comerciais dos EUA a seguir padrões internacionais de respeito a direitos trabalhistas e ao meio ambiente. A linguagem adotada nas cláusulas foi objeto de meses de negociações com os democratas, que fazem oposição ao governo Bush no Congresso.

O compromisso anunciado ontem foi descrito pelos dois lados como um passo histórico na eliminação de suas diferenças na condução da política comercial americana, mas ainda assim deixou várias questões em aberto e mantém grande parte da incerteza que envolve o futuro da agenda dos EUA nesse campo.

Como os democratas procuraram deixar bem claro ao apresentar o acordo, ele não deve ser visto como uma garantia de que o Congresso irá renovar a autorização legislativa especial (a TPA, na sigla em inglês, anteriormente conhecida como fast-track) de que Bush necessita para que sejam retomadas as negociações da Rodada Doha de liberalização do comércio internacional, suspensas desde o ano passado.

O acordo também não é suficiente para vencer as resistências do Congresso americano a dois outros tratados de livre comércio já assinados pelos EUA, com a Colômbia e a Coréia do Sul. Os democratas se dizem preocupados com a violência contra líderes sindicais colombianos e com a relutância dos coreanos a eliminar barreiras à importação de carros americanos.

Mesmo com essas limitações, os democratas e a Casa Branca, que andam às turras por causa da guerra no Iraque, fizeram questão de celebrar o acordo ontem, anunciando-o numa entrevista em que a presidente da Câmara dos Representantes, a deputada democrata Nancy Pelosi, dividiu os holofotes com a representante (negociadora) comercial dos EUA, Susan Schwab, e com o secretário do Tesouro, Henry Paulson.

As cláusulas que serão incluídas nos tratados estabelecem que os parceiros dos EUA precisarão respeitar princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho escravo, uso de mão-de-obra infantil, discriminação no local de trabalho e direito à livre associação. É provável que os textos tenham que ser novamente submetidos aos parlamentos dos quatro países com acordos pendentes no Congresso americano.

A inclusão dessas cláusulas é uma antiga reivindicação dos democratas, que não conseguiram emplacar a idéia nem mesmo quando o ex-presidente Bill Clinton estava na Casa Branca. Eles temem que as empresas americanas levem desvantagem na competição com companhias de países onde as leis trabalhistas e ambientais são mais tolerantes que as existentes nos EUA.

O compromisso assumido ontem também prevê a inclusão nos tratados comerciais de dispositivos para acelerar o lançamento de medicamentos genéricos quando as patentes dos remédios originais perderem a validade, deter a extração ilegal de madeira no Peru e impedir companhias estrangeiras de administrar portos americanos, por razões de segurança nacional.

Apesar do entusiasmo demonstrado pelo governo e pela oposição, os riscos quanto à política comercial americana continuam grandes. A autorização legislativa que Bush tem para negociar acordos comerciais vence no fim de junho. Será possível votar no Congresso os acordos já assinados mesmo sem ela. Mas será impraticável retomar as discussões da Rodada Doha sem renovar essa autorização.