Título: País perde investimento por falta de projetos
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2007, Brasil, p. A5

Considerado um mercado promissor para os países ricos compensarem suas emissões de gases do efeito estufa, o Brasil enfrenta sua primeira crise de oferta. Consultorias, bancos e fundos de investimento ouvidos pelo Valor relatam: há escassez de bons projetos de crédito de carbono no país. Sem candidatos fortes à vista, o Brasil corre o risco de perder aportes de bilhões de dólares, que já começam a migrar para países em desenvolvimento concorrentes, como China. Além da falta de projetos, também a burocracia atrapalha o Brasil.

"Temos uma carteira total de US$ 2 bilhões para investir no Brasil e não encontramos clientes", afirma Werner Grau Neto, do escritório Pinheiro Neto Advogados, em São Paulo. "Parte desse dinheiro está esperando projetos. Até quando, não sei."

A perda de competitividade tem sido gradual e é explicada por uma série de fatores. Um deles é o simples fato de que os bons projetos - com retorno garantido e metodologia aprovada pela ONU, a autoridade máxima no assunto - já estão sendo desenvolvidos. Foram "abocanhados" nas primeiras levas após a ratificação do Protocolo de Kyoto, no início de 2005. Os que têm aparecido nos últimos tempos, dizem os especialistas, são geralmente de qualidade duvidosa.

É o clássico fenômeno da corrida pelo ouro: empolgados com esse novo nicho de mercado, empresários em busca de lucro rápido apresentam projetos impraticáveis, seja do ponto de vista jurídico, financeiro ou de metodologia. A falta de informação é considerada o maior problema.

"Há vários curiosos nesse mercado, porque tudo é novo", diz o holandês Maurik Jehee, superintendente de créditos de carbono do ABN Amro Real no Brasil. "Recentemente tive de convencer o representante de uma PCH [pequena central hidrelétrica] de que ele gastaria mais para implementar o projeto do que o que receberia com os créditos. Financeiramente, não faria sentido."

"Os clientes ainda estão mal-informados, achando que podem ganhar milhões", acrescenta Shigueo Watanabe, consultor-sênior da Geoklock. "De cinco reuniões com clientes, só uma é viável". Segundo ele, a identificação de um bom projeto tornou-se um "trabalho de garimpo".

O Brasil foi o primeiro país do mundo a registrar na ONU um projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o nome que se dá ao mecanismo previsto pelo Protocolo de Kyoto para que os países ricos possam compensar suas emissões de gases de efeito estufa comprando créditos de carbono de países em desenvolvimento. Por convenção, uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivalente que deixou de ser jogado no ar corresponde a um crédito de carbono no mercado internacional.

Apesar de começar bem, o país caiu para a terceira posição no ranking mundial em número de projetos de MDL. Os dados mais recentes do governo brasileiro apontam para 221 projetos registrados. À sua frente estão Índia, com 623, e China, com 446.

Além da desinformação, incertezas jurídicas prejudicam o desempenho dos projetos brasileiros por terem efeito negativo junto aos investidores. O exemplo mais comum é o de aterros sanitários públicos. Grande filão nesse mercado, eles levantam dúvidas sobre a quem cabe o direito de posse dos créditos - prefeitura? concessionária? consultoria? . "Esses entraves jurídicos atrasam e até inviabilizam o processo", diz o advogado Werner Grau, especializado em direito ambiental. "Nos últimos seis meses, passaram pelo escritório 18 projetos. Pelo menos seis não tinham viabilidade jurídica."

O Brasil também sai perdendo, porque sua matriz energética é essencialmente limpa - 73% da energia gerada no país vem de hidrelétricas. "Isso diminui muito o volume de créditos de carbono dos projetos brasileiros e dá vantagem competitiva aos outros países", diz Carlos Martins, diretor-executivo da Ecoinvest, um dos maiores "players" do mercado. A China, nesse sentido, sai ganhando porque usa carvão mineral para gerar energia, matéria-prima altamente poluidora.

Pedro Moura Costa, presidente da concorrente Ecosecurites, vê como um terceiro problema a demora em aprovações de projetos pela autoridade designada brasileira, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. O tempo médio de aprovação na China, diz ele, é de seis semanas. Na Índia, três semanas. No Brasil, seis meses. "É muita burocracia", diz.

Há dois anos, o Brasil representava 30% e a China 20% do portfólio de clientes da empresa. A proporção hoje é de 20% e 40%, respectivamente. Segundo ele, por conta disso US$ 500 milhões, que originalmente estavam destinados a projetos no país, migraram para o território chinês. "Sou brasileiro e tento viabilizar projetos aqui. Mas as contingências me levam para outros países".