Título: Urgência do Congresso, só para aumento salarial
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2007, Opinião, p. A12

A rigor, não se pode acusar de imoralidade, ou ilegitimidade, a aprovação do projeto de decreto legislativo pela Câmara, que aumentará os subsídios dos deputados e senadores - se for referendado pelo Senado - em 29,81%. A justificativa das mesas diretoras das duas casas é a de que o índice responde pela inflação acumulada de dezembro de 2002, quando foi dado o último reajuste, a março de 2007. Os empregados no setor privado, ou mesmo os do setor público, é lógico, adorariam ter também a reposição salarial do período mas, de qualquer forma, reajuste não é aumento real.

Os 29,81% também estão longe dos 91% propostos e aprovados no final da legislatura passada (índice que foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal), sob o pretexto de equiparar os salários dos congressistas aos dos ministros do STF, hoje de R$ 22,5 mil. Mas o problema, agora, não é o índice de reajuste, mas o subterfúgio usado pelo Legislativo para desviar a atenção da opinião pública de sua decisão. Enquanto o país estava voltado para a chegada do papa Bento XVI, o vice-presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira, obteve das lideranças partidárias a assinatura para um requerimento de urgência que colocaria o decreto em votação naquela seção legislativa. Alguns líderes recuaram, mas no final o requerimento foi aprovado por voto nominal: 355 votos a favor, 85 contrários e 7 abstenções. O decreto legislativo propriamente dito - junto com outro, que concede o mesmo aumento para o presidente, o vice-presidente e ministros - foi aprovado por voto simbólico, isto é, por todos os partidos.

O aumento não é um exagero. Os R$ 16.512,09 que os deputados e senadores vão receber, se o Senado referendar o projeto, são o de menos. Afinal, esta é a parte transparente da remuneração, aquela que é possível a sociedade manter algum controle. O que não se controla, e o Congresso não discute, é a extensa lista de benefícios que cabe a cada parlamentar. Um deputado tem direito a R$ 15 mil mensais de verba indenizatória (seja isso lá o que for); pouco mais de R$ 50 mil mensais de verba de gabinete, para contratar até 25 funcionários; R$ 33.024 anuais de ajuda de custo, divididos em duas parcelas; R$ 3 mil mensais de auxílio-moradia, além de passagens aéreas, cota postal e telefônica, gráfica e cota de jornais e de revistas. Um senador tem R$ 15 mil de verba indenizatória, R$ 33 mil de ajuda de custo; R$ 3 mil de auxílio-moradia; uso sem limite de telefone e celular; R$ 500 mensais para pagamento do telefone de sua residência; uma cota postal que varia de R$ 3 mil a R$ 66 mil, dependendo do número de eleitores de seu Estado; carro com motorista e direito a gastar 25 litros de combustível por dia, além da cota de jornais e revistas. A política de contratação de gabinetes de funcionários para os gabinetes dos senadores é diferente da Câmara e, por isso, essa verba não entra nas suas cotas diretamente.

Mesmo com o papa Bento XVI em São Paulo, e um aumento que está longe dos 91% aprovados no ano passado e derrubados pelo STF, a decisão dos parlamentares repercutiu. Isso traduz o descrédito da população em relação à instituição, o que é péssimo para a democracia. A urgência na aprovação do aumento apenas contribuiu para isso: com matérias importantes na fila de votação, a Câmara deu prioridade ao projeto que era de seu próprio interesse. E o Congresso sequer considerou tornar transparentes os demais benefícios, que superam, em muito, o salário de cada um de seus integrantes. A transparência é fundamental para se retomar a credibilidade perdida.

Aumentar remuneração aproveitando situações políticas onde a opinião pública possa desconhecê-la é condenável. Mas fingir que não tem nada a ver com o assunto também. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) não assumiu a sanção de projeto aprovado pela Câmara de Vereadores, que aumentaria a verba de custeio de R$ 8 mil para R$ 10 mil para cada vereador. Deixou passar o prazo de 15 dias que tinha para analisar a matéria e deixou o ônus da sanção para o presidente da Câmara de Vereadores, sob o pretexto de preservar a autonomia do Poder Legislativo. Parece que aumentar benefícios de parlamentares na calada da noite está se tornando uma mania nacional.