Título: Dólar barato afeta produtividade
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2007, Brasil, p. A7

A sobrevalorização do câmbio tem impacto negativo sobre a produtividade da economia brasileira, ao prejudicar setores exportadores, devendo ser combatida por cortes mais fortes dos juros e pela redução dos gastos públicos. Num momento em que o dólar cai abaixo de R$ 2, essa avaliação é compartilhada por Eliana Cardoso e Delfim Netto, economistas de escolas bastante distintas. Os dois participaram ontem do seminário "Economia brasileira em perspectiva, "promovido pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para a ortodoxa Eliana, a perda de dinamismo das vendas externas brasileiras e a diminuição do número de empresas exportadores indicam que o câmbio está de fato sobrevalorizado. Ela observa que, no começo de 2005, as quantidades exportadas cresciam a uma taxa superior a 20% no acumulado em 12 meses; no início deste ano, essa taxa é pouco superior a 3%. Além disso, 1.793 empresas deixaram de exportar em 2005 e 2006, outra evidência de valorização do real. O problema, para ela, é que isso prejudica ganhos de produtividade na economia. "As empresas exportadoras brasileiras são maiores, mais produtivas, empregam mais trabalho especializado e pagam melhores salários que as não exportadoras", diz Eliana, citando um estudo de Pablo Fajnzylber, do Banco Mundial, que analisou 1.636 companhias do país em 13 Estados e 9 setores industriais. "A redução no número de empresas exportadoras traz prejuízo para os ganhos de produtividade e crescimento no futuro."

Para Eliana, a expectativa de que a moeda vai continuar a se fortalecer atrai mais capitais para o país, num cenário em que os juros domésticos são elevados. "Nós temos hoje uma grande expectativa de valorização, e de valorização continuada, o que gera uma grande possibilidade de lucro para quem traz moeda de fora para aplicar em ativos denominados em reais". A economista diz que o Brasil vive hoje um movimento "exatamente oposto" ao registrado em 1998 e 2002, quando a perspectiva de desvalorização do real provocava uma fuga de capitais.

Nessas duas ocasiões, a resposta do Banco Central (BC) ao movimento especulativo foi aumentar os juros, para reverter a expectativa de depreciação do câmbio e controlar a inflação. Na situação atual, o ideal é fazer o oposto, diz Eliana, reduzindo mais os juros. Ela reconhece, porém, que há um risco num corte mais forte da taxa Selic: o de aumento da inflação, embora o considere baixo. Afinal, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumula alta de 3% em 12 meses, está bem abaixo do centro da meta de inflação deste ano, de 4,5%. E, se o governo teme que um corte de juros maior provoque um excesso de demanda, pode reduzir os gastos públicos, avalia ela, para quem também seria importante simplificar e reduzir as alíquotas dos impostos. "Isso ajudaria a reduzir o custo Brasil e a aumentar a competitividade externa."

O ex-ministro Delfim Netto também se diz preocupado com o efeito do dólar barato sobre as empresas exportadoras, dizendo que o aumento de produtividade no setor industrial é muito importante. Para ele, o fato de muitas pequenas empresas deixarem de exportar é mais sério do que parece: "O grosso das inovações ocorre nas pequenas empresas".

Como de costume, Delfim criticou o nível elevado dos juros, que explicam, para ele, a "supervalorização" do câmbio. O ex-ministro diz que é necessário baixar a Selic com mais força, para eliminar o diferencial entre as taxas externas e internas. Delfim considera o risco de alta da inflação "perfeitamente suportável e admissível".

Como Eliana, ele afirma que cortar a demanda do governo, por meio da redução dos gastos públicos, seria importante, por ajudar a diminuir o já baixo risco de alta mais significativa dos preços. Por fim, Delfim avalia que reduzir "dramaticamente impedimentos tarifários e não tarifários" à importação também seria uma medida bem-vinda. Com esse conjunto de ações, seria possível reverter a trajetória contínua e preocupante de supervalorização do câmbio, que ontem fechou em R$ 1,954.