Título: País precisa de estratégia mesmo para setores "ganhadores"
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2007, Brasil, p. A8

A China está afetando, de forma distinta, a indústria brasileira. Enquanto alguns setores sofrem com a concorrência chinesa, para outros a demanda do país asiático abre uma imensa oportunidade. E entre os setores que têm muito a ganhar fornecendo para a China está o segmento de biocombustíveis, especialmente o etanol e o biodiesel. Para que este setor não perca a "oportunidade histórica" que está colocada, o país precisa urgentemente desenhar uma estratégia nacional que aumente os investimentos em tecnologia e permita a manutenção da liderança que mantém hoje nesse mercado. Essa foi a síntese dos debates de ontem da quarta sessão do XIX Fórum Nacional, organizado pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae).

A divisão da indústria brasileira entre setores que ganham e perdem com o fenômeno China é do professor e diretor do BNDES Antônio Barros de Castro. Hoje, diz ele, o país está diante de um momento de escolhas. O tipo de crescimento que o Brasil estava ensaiando no início deste século, e que foi responsável pelo forte crescimento de 2004, era baseado em "cópias", em produtos altamente padronizados. "Mas a China colocou esse modelo em questão. Eles produzem cópias muito mais barato do que o Brasil. Não há competição nesse mercado e isso tem a ver com a China e é agravado pelo câmbio", diz Barros de Castro.

Para o diretor do BNDES, nunca na história brasileira se abriu uma oportunidade como a atual, onde há uma "generalização do desenvolvimento" no mundo, com uma demanda adicional sendo incorporada ao consumo mundial pelas populações de China, Índia e Vietnã. E no mundo, diz ele, 99% do consumo de combustíveis líquidos são de fontes não-renováveis. Por isso, a ampliação da produção brasileira de etanol e biodiesel é uma grande oportunidade.

O presidente da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), Eduardo Pereira de Carvalho, concorda com a análise e com a urgência de opção estratégica defendida por Barros de Castro. O Brasil, observa ele, tem dez anos de "liderança" mais ou menos assegurada no mercado mundial de etanol. "Mas dez anos não são nada. Temos que ter mais do que isso, temos que pensar para frente, e investir em tecnologia, o que não estamos fazendo hoje. Hoje não estamos investindo para manter essa dianteira", diz ele.

O ex-ministro Roberto Rodrigues, em depoimento "antecipado" e apresentado na tarde de terça-feira, mas que estava relacionado a essa sessão do Fórum Nacional, bateu na mesma tecla. "Há um horizonte formidável para a agroenergia no Brasil, mas falta uma estratégia nacional. O assunto não pode ser dividido por oito ministérios. Falta coordenação, falta quem planeje a logística, que discuta tecnologia. Vamos perder mais esse trem se essa falta de estratégia e essa dispersão de esforços continuar", afirmou. Ele citou como exemplo os fortes investimentos feitos pelos Estados Unidos para produzir etanol a partir de celulose, uma opção que tornaria esse produto muito mais competitivo que o combustível feito a partir da cana-de-açúcar.

Barros de Castro observou que normalmente uma revolução tecnológica (como essa que está ocorrendo com a substituição dos combustíveis fósseis pelos agroenergéticos) precisa inventar o mercado para seu produto. E esse problema não existe agora. Apenas no Brasil, a tecnologia dos carros "flex" garante demanda para o etanol pelos próximos cinco anos. Mas, além disso, a opção estratégica pelo setor de biocombustíveis (um dos que pode ganhar com o fenômeno China) abre oportunidades para outros segmentos da indústria, como a mecânica, a química, a automobilística, de software, além da farmacêutica. "Estes são setores que podem pegar carona nessa grande expansão de biocombustíveis", listou o diretor do BNDES.

Na ponta oposta dos setores que podem lucrar com a forte demanda chinesa, estão aqueles setores acostumados a produzir "cópias" - e que são afetados negativamente pela concorrência asiática. Entre estes estão a indústria de calçados, têxtil, de vestuário e de móveis, entre outras.

Estes segmentos, diz Barros de Castro, estão sendo fortemente afetados pela China, mas isso não significa que todas as empresas serão superadas por esse concorrente. "A China é imbatível em produzir cópias, e não pode ser enfrentada nessa estratégia de preço baixo. Mas existem outras rotas, existem opções para contornar essa concorrência", argumenta ele.

O diretor do BNDES confirma que o banco está estudando mecanismos que possam ser adotados para ajudar estes setores a enfrentar a concorrência chinesa, exacerbada pelo câmbio valorizado. Mas não há nada definido. Ele considera importante que o debate em torno do que fazer considere quando há e quando não há condições de "contornar" a estratégia chinesa de preço baixo. Uma opção de ajuda pode ser justificada "socialmente", porque há empregos em jogo, mas economicamente ela pode ser equivocada. "Às vezes, um setor leva um tropeção, mas ele está com a bola e pode fazer gol em seguida. Nesse caso, é fecundo ajudá-lo", ponderou.