Título: China derruba exportação de produto hi-tech do Brasil
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2007, Brasil, p. A8

Em 1997, o Brasil perdia uma fábrica de semicondutores da Intel para a Costa Rica, pequeno país que ofereceu mais vantagens fiscais. A decisão da empresa americana se transformou em um trauma para a indústria nacional de alta tecnologia. E sobram motivos para isso. De lá para cá, a chance de atrair esse tipo de investimento é cada vez menor, devido à chegada de um competidor implacável: a China.

Os produtos de alta tecnologia - celulares, processadores, computadores portáteis, câmeras etc - perderam importância na pauta de exportação brasileira para os Estados Unidos e para a União Européia, os maiores mercados do mundo. Nas vendas para os EUA, o percentual desses produtos caiu de 16% em 1999 para 8% em 2006. Para a União Européia, a queda foi de 7% em 1999 para 5% em 2005, revela estudo elaborado da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com base nos dados da Global Trade Internacional Services, obtido pelo Valor.

"A indústria brasileira de alta tecnologia sempre foi muito acanhada e baseada em montagem. Com o boom das commodities, é natural que ceda espaço na pauta", diz Maurício Moreira Mesquita, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). "Os chineses também contribuem para acirrar a competição e dificultar a atração desse investimento para o país."

O Brasil é apenas um detalhe no jogo global. Em 2006, a China exportou US$ 100 bilhões em produtos de alta tecnologia para os Estados Unidos. Esse valor superou os US$ 88 bilhões das vendas somadas de Japão, Canadá, Brasil, França e Alemanha para o mercado americano. Enquanto a China aumentou em 11 pontos a participação dos produtos de alta tecnologia em sua pauta de exportação para os EUA, esses países assistiram a fatia desses produtos nas suas vendas encolher.

Os chineses estão velozmente alterando o perfil de suas exportações. Os produtos hi-tech responderam em 2006 pela maior parcela das vendas totais do país: 34,5%, ou US$ 334,4 bilhões. Esse valor representa a impressionante alta de 726% ante 1999. As exportações de produtos de baixa tecnologia também subiram de US$ 84,7 bilhões para US$ 218 bilhões nos últimos seis anos. No entanto, sua participação relativa nas vendas chinesas caiu de 43% para 28%.

"Na China, não houve escolha de setores. Eles levam tudo a sério", afirmou por telefone ao Valor Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto do departamento de comércio exterior da Fiesp, que está há 15 dias viajando pela China. "O principal problema do Brasil não é a China, mas o próprio Brasil e a ausência de uma política de desenvolvimento", completa

A performance da China nos EUA e na UE é similar ao desempenho mundial. Em 1999, os produtos de alta tecnologia significaram 24% das vendas chinesas para os americanos. Em 2006, esse percentual subiu para 35%. No caso europeu, a China aumentou em 337% as exportações de produtos de alta tecnologia entre 1999 e 2005 e a fatia desses produtos na pauta de vendas para o bloco subiu de 24% para 35%.

Segundo Bruno César Araújo, pesquisador do Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada (Ipea), a mudança na pauta exportadora da China é fruto de um esforço deliberado do governo de investir em educação e formar uma classe média qualificada em física e ciências naturais, matérias importantes para fomentar a inovação. Outro fator óbvio é o custo da mão-de-obra, que é um dos mais baixos do mundo.

O avanço chinês representou uma perda de dinamismo dos demais países. Parceiros dos EUA no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o Canadá e o México possuem vantagens tributárias para a entrada de seus produtos. Mesmo assim, estão perdendo espaço. Em 1999, as exportações canadenses de alta tecnologia representavam 9% das vendas. Em seis anos, caíram para 6,6%. Já as vendas de produtos não-industriais canadenses aumentaram de 9,7% da pauta para 23%. No México, a importância da alta tecnologia caiu dois pontos, para 22% em 2006. Já os produtos de média-baixa tecnologia cresceram de 13% para 25%.

Mesquita, do BID, diz que boa parte da produção chinesa de alta tecnologia ainda é montagem, mas ressalta que a rede de fornecedores interna está cada vez mais densa, o que ajuda a agregar valor. As exigências de Pequim de formação de joint ventures e transferência de tecnologia - aliada ao pouco respeito à propriedade intelectual - contribuem para o avanço da China em pesquisa e desenvolvimento.

Pela proximidade geográfica, a Ásia é a região onde houve uma maior realocação de produção para a China. Japão, Coréia e Taiwan transferiram fábricas para o país em busca de mão-de-obra barata. Em 2006, o investimento direto na China atingiu US$ 69,5 bilhões. E as regiões que lideram esses aportes foram Japão, Coréia, Estados Unidos, Cingapura, Taiwan e Alemanha.

Não é surpresa, portanto, que o Japão tenha sido o país que mais perdeu participação em produtos de alta tecnologia para a concorrência chinesa. Em 1999, as exportações da categoria para os EUA representavam 33% das vendas japonesas, ou US$ 44 bilhões. Em 2006, o Japão exportou US$ 33 bilhões de produtos hi-tech para os americanos, ou 22% do total. No mercado europeu, o cenário é menos crítico. A participação da alta tecnologia na exportação japonesa para o bloco caiu de 36% para 32%.

A transferência das empresas japonesas, coreanas ou americanas para a China não significa prejuízos imediatos. Pelo contrário. Pagando barato pelo mão-de-obra, as empresas lucram mais e remetem mais dividendo para os países de origem. O problema é que os chineses aprendem rápido e já estão produzindo tecnologia de ponta. Os economistas acreditam que o caminho para o Brasil e outros países é apostar em nichos de alta tecnologia na esperança de que os chineses não sejam bons em tudo.