Título: Transferências voluntárias da União beneficiam mais Estados aliados
Autor: Vilella, Janaina
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2007, Política, p. A9

Estados governados por aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminaram o primeiro trimestre de 2007 com o caixa reforçado por transferências voluntárias - dinheiro de convênios assinados para obras e serviços - do governo federal. Apesar de o volume total de repasses ter encolhido 85% em termos nominais entre janeiro e março, na comparação com o mesmo período de 2006, Estados como Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e Bahia receberam em apenas três meses praticamente o mesmo montante de todo o ano passado. São Paulo, que nos últimos quatro anos revezava-se no primeiro lugar com Minas Gerais, entre os Estados mais beneficiados, aparece em sétimo lugar no ranking trimestral deste ano.

O Rio de Janeiro, administrado por Sérgio Cabral Filho (PMDB), lidera a relação das transferências, nos primeiros três meses do ano. O Estado recebeu R$ 31,02 milhões no período, enquanto em 2006, último ano do governo Rosinha Matheus (PMDB), o total de transferências foi de apenas R$ 37,4 milhões, segundo dados disponíveis no site da internet da Secretaria de Tesouro Nacional (STN). Foi o maior volume já registrado num primeiro trimestre desde o início do governo Lula, em 2003. Procurado pelo Valor, o secretário estadual de Fazenda do Rio, Joaquim Levy, ex-secretário do Tesouro Nacional, não comentou o assunto.

Cabral tem estreitado laços com o governo federal desde o segundo turno das eleições presidenciais e conta com a ajuda de Lula para tirar do papel obras consideradas cruciais para o desenvolvimento do Estado, como o arco rodoviário. Os quatro anos de governo de sua antecessora, por sua vez, foram marcados por rusgas com a União. Os projetos políticos opostos - Rosinha tinha a missão de preparar terreno para seu marido Anthony Garotinho concorrer à Presidência, em 2006 - entre Lula e a ex-governadora acabaram colocando-os em rotas de colisão.

Cerca de 65% do total repassado pela União ao Rio saiu dos cofres do Ministério dos Esportes, seguido das Pastas da Justiça (R$ 8,6 milhões) e da Educação (R$ 2,3 milhões). A assessoria de imprensa do Ministério dos Esportes informou que o valor transferido refere-se a um convênio assinado com o Estado para a conclusão de obras de infra-estrutura e instalação de equipamentos no Estádio do Maracanã para os Jogos Pan-Americanos.

O Pará, administrado pela petista Ana Júlia Carepa, ficou em terceiro lugar em volume de recursos recebido da União, depois do Rio e do Maranhão, com R$ 13,74 milhões. Em todo o ano de 2006, sob a batuta do tucano Simão Jatene, o governo paraense foi contemplado com transferências da ordem de R$ 10,29 milhões.

Os cinco Estados governados por petistas (Acre, Bahia, Piauí, Pará e Sergipe) foram contemplados com 15,5% das transferências da União, no primeiro trimestre deste ano. No mesmo período de 2006, as transferências para estes mesmos Estados não chegaram a 0,5%. Apenas Acre e Piauí eram governados pelo PT, na época. O Ministério da Fazenda informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que não comentaria o assunto.

O cientista político César Romero Jacob, professor da PUC-RJ, explica que o caso do Rio é muito particular por causa dos Jogos Pan-Americanos. Mas o crescimento dos repasses a outros Estados aliados em detrimento das unidades federadas governadas por tucanos, como São Paulo e Minas, segundo ele, pode ser explicado por critérios mais políticos do que técnicos. "Técnico no sentido de quanto o Estado gera para a União. São Paulo, por exemplo, é o maior Estado arrecadador do país. Agora, o critério parece ser político, diferentemente dos anos anteriores. Um atendimento mais firme aos Estados aliados. Lula mostra um esforço em manter uma aliança sólida com os partidos da base", disse Jacob.

Não são considerados transferências voluntárias os repasses determinados pela Constituição federal e pela lei, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Também não estão incluídos no cálculo os valores relativos à rubrica "Restos a Pagar Não Processados" e os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). O Valor apurou que, ao contrário das transferências constitucionais, não existe uma regra específica para os repasses voluntários aos Estados e municípios. As transferências ocorrem de acordo com as prioridades de cada ministério, responsáveis por gerenciar os convênios.

"O excesso de medidas provisórias para a liberação do Orçamento dá ao governo federal um poder imperial de liberar dinheiro para quem quiser. Com essas MPs, o presidente descaracteriza o Orçamento, faz o que quer, e fica com um forte poder para cooptar políticos", disse ao Valor o presidente nacional do Democratas, deputado federal Rodrigo Maia.

De acordo com dados do Tesouro, as transferências voluntárias para os Estados totalizaram R$ 205,84 milhões no primeiro trimestre, volume 85% inferior em termos nominais ao registrado no mesmo período de 2006. Maia atribui a queda à demora na composição dos ministérios do segundo mandato do presidente Lula.

Na avaliação do economista, Amir Khair, especialista em contas pública, a queda nos repasses pode ser explicada pela abertura tardia do Orçamento da União deste ano. "Em geral, o Ministério do Planejamento demora para liberar as verbas, a não ser as verbas para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que está proibido de segurar", disse Khair.