Título: Mudanças no Banco Central e risco inflacionário
Autor: Tavares, Guilherme A.
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2007, Opinião, p. A16

No início deste ano, o debate sobre o rumo da política monetária reacendeu, com o pedido de demissão do diretor de política monetária, Afonso Bevilaqua, e os boatos de saída do presidente do BC, Henrique Meirelles. Apesar do sucesso da política atual, freqüentemente ressurge algum tipo de temor de mudança. Estes medos prejudicam a política monetária? Ou seja, juros mais altos do que o normal são necessários para combater a inflação? Estudos feitos para o Brasil apontam que, apesar do controle atual, a economia ainda é bastante sensível a saltos inesperados da inflação. Isto pode ser um sinal de que a confiança do mercado sobre o BC ainda não é a ideal.

A inflação nos últimos dois anos convergiu para patamares bem próximos da meta. Em 2006, inclusive, ficou em 3,1% ao ano, abaixo do alvo de 4,5%. Mas estes bons resultados não foram desprovidos de custos. Após o arranhão na sua credibilidade, no período das eleições de 2002, o BC foi obrigado a apertar fortemente a política monetária a partir de 2003. Isto para compensar a subida da inflação em 2002, que chegou a produzir juros reais ex-post negativos no mês de agosto. Todo este esforço nos leva a perguntar se ainda existe risco inflacionário no Brasil.

O risco inflacionário pode ser causado pela volatilidade do câmbio ou por choques de oferta. Ou ainda, também pode ser causado pela falta de credibilidade do BC ou do governo. Quanto maior for este risco, maior será a remuneração requerida pelos investidores para comprar títulos públicos. E mais elevada será a taxa básica de juros da economia, pois o BC deverá se esforçar mais para convencer o público de que irá combater a inflação. Embora a instituição tenha conquistado credibilidade após 2003, a possibilidade de interferência do governo na diretoria e presidência do BC gera alguma desconfiança por parte dos investidores.

Neste contexto, em dissertação [disponível para download em www.maps.com.br/br/publicacoes/tese_riscoinf_2511_.pdf ], defendida na EESP/FGV, obtivemos resultados de testes econométricos que indicam uma sensibilidade relevante da economia a choques inesperados de inflação. Além de afetar a política monetária, eles interferem também na gestão da dívida pública, por motivos que serão explicados adiante. Porém, o interessante é quantificar estes impactos, para avaliar se o Brasil é mais sensível do que outros países emergentes, bem como entender como esta fragilidade dificulta a obtenção do almejado investment grade.

-------------------------------------------------------------------------------- Preservação da autonomia do BC é condição necessária para o alongamento da dívida pública e simultânea queda das taxas de juros --------------------------------------------------------------------------------

Os resultados apontam que um salto inesperado na inflação aumenta as expectativas de mercado, extraídas do relatório Focus. Este efeito é significativo e dura pelo menos 4 meses. Ou seja, de fato um aumento repentino da inflação, ou elevação do risco inflacionário, leva os agentes a reverem suas expectativas de inflação para 12 meses. Isto torna a política monetária mais custosa, pois o BC leva bastante em conta este indicador na tomada de suas decisões.

Outra constatação importante para o Brasil, também prevista em outros países, é o fato de que o risco inflacionário afeta também o perfil da dívida pública. Quanto maior a possibilidade de inflação inesperada, menos alongada será a dívida do governo. Os investidores irão dar preferência para papéis curtos e pós-fixados, em detrimento de pré-fixados, pois os primeiros são menos arriscados. Isto é, o aumento inesperado da inflação gera elevações nas taxas da curva de juros, que derrubam o preço dos títulos. Assim, papéis de maturidade mais longa (ou pré-fixados) são menos procurados e perdem espaço. Para ter uma idéia, um salto de 1% na taxa do Swap 360 reduz em aproximadamente 5 meses a maturidade da dívida pré-fixada do governo, no caso a LTN. Ou seja, o risco inflacionário dificulta o alongamento da dívida pública, que, por conseguinte, dificulta a queda da taxa básica de juros.

O regime de metas de inflação é um sistema que depende fortemente da credibilidade do BC. De fato, logo após sua adoção, em 1999, o governo aumentou a parcela de LFT na composição da dívida, como forma de elevar indiretamente a credibilidade da autoridade monetária. Ao emitir títulos pós-fixados, como LFT e títulos indexados ao câmbio, o governo está assumindo para ele o risco de inflação. Em outras palavras, o Tesouro dá um seguro para o setor privado. Na fim da crise eleitoral de 2002, somente 2% da dívida interna total era composta por títulos pré-fixados, pois a credibilidade do governo e do BC estavam abaladas.

Atualmente, com a convergência da inflação em direção à meta e a diminuição de choques inesperados de inflação, o risco diminuiu, gerando dois resultados positivos: 1) cada vez mais é necessário uma Selic menor para conter a inflação (independente do câmbio) e 2) gradualmente o governo vem alongando o perfil da dívida pública, com o aumento da parcela de LTN e NTN-F. O alongamento da dívida no Brasil certamente irá vir acompanhado de quedas naturais na taxa Selic. Este caminho já foi percorrido por outros países emergentes, como Israel, México e Polônia, que também viveram um passado inflacionário e atualmente têm dívida alongada e são classificados como investment grade.

De fato a credibilidade atual do BC foi conquistada com uma política monetária responsável, transparente e consistente. Porém, não podemos desconsiderar que fatores exógenos também ajudaram, como a valorização do câmbio e a política fiscal responsável do Tesouro. Dado que o BC deve continuar a perseguir uma política conservadora, os analistas e investidores ficarão atentos aos fatores que não dependem do BC. Isto é, o BC pode reagir a uma desvalorização do câmbio subindo os juros ou a um relaxamento da política fiscal apertando a política monetária. Porém, não pode reagir a uma decisão do governo de mudança na sua diretoria. Assim, a preservação da atual autonomia do BC é condição necessária para o alongamento da dívida pública e simultânea queda das taxas de juros da economia.

Guilherme A. Tavares é mestre em Economia pela EESP/FGV e consultor da MAPS Risk Management Solutions. E-mail: guilherme@maps.com.br