Título: Bancos ainda procuram modelo no microcrédito
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2007, Finanças, p. C4

Desde que o governo obrigou a destinação de 2% dos depósitos à vista para o microcrédito, os bancos procuram o modelo adequado para cumprir essa meta. A maioria deles, por dificuldades de acesso e desconhecimento desse mercado, prefere transferir os recursos para outros bancos ou organizações não governamentais (ONG) que trabalham com o público de baixa renda. Segundo dados do Banco Central, a carteira total da modalidade em fevereiro cobria apenas 50% da exigibilidade (R$ 216 milhões).

Dentre os que partiram para originação própria, o mais bem sucedido é o Banco do Nordeste (BNB). A instituição, estatal e com missão de banco de desenvolvimento, usa como funding boa parte desses recursos não utilizados pelos grandes bancos para financiar quase 250 mil clientes, com saldo da carteira em R$ 173 milhões.

Depois de alguns sustos com elevação de inadimplência, o gerente de Microfinanças do BNB, Marcelo Azevedo Teixeira explica que a solução encontrada foi o uso do que eles chamam de empréstimos solidários.

Nesse formato, que hoje já representa mais de 80% de toda a carteira, o crédito é concedido para um grupo de três a dez pessoas, que administram os recursos, cobrindo, inclusive, eventuais atrasos entre eles. "Costumo dizer que os principais agentes de crédito são os próprios clientes", brinca o executivo.

O interessante, segundo Teixeira, é que o grupo solidário, em geral, é formado por pessoas que se conhecem, em comunidades pequenas. Assim, os não pagadores sofrem uma pressão social grande, inibindo atrasos.

Teixeira explica ainda que o segredo está no treinamento dos agentes de crédito, responsáveis pela formação dos grupos, além de o acompanhamento "bem de perto". A desvantagem é ser um método de custos altos.

"Fizemos a opção por um modelo com custos elevados, acompanhamento forte, mas com baixo risco", afirma. Prova disso é que o total de parcelas com atraso de até 90 dias é de pouco mais de 1% (era de 4% em 2002). As despesas com provisões para créditos com liquidação duvidosa, no mesmo caminho de queda, representam pouco mais de 1%.

O programa do BNB é dos poucos no Brasil que já apresenta lucro, com rentabilidade de 12%. Mesmo assim, o banco pensa em aperfeiçoar o modelo com a adoção do sistema de credit score, usado nos grandes bancos para avaliar a reputação dos clientes.

Essa metodologia, no entanto, já foi rejeitada para uso no microcrédito, explica o gerente executivo do Unibanco, Eduardo Ferreira. "O credit score não funciona quando o cliente não tem uma renda previsível, como é o caso da baixa renda", explicou Ferreira durante seminário de microfinanças organizado pelo IQPC, em São Paulo.

Segundo ele, a solução passa por um modelo híbrido, com o uso de ferramentas estatísticas aliada a parcerias com varejistas para utilizar o conhecimento que eles têm do pequeno cliente. O banco, que já tem uma carteira de R$ 23 milhões, é um dos líderes de mercado.

O Banco Real, que apostou na concessão própria e com uma carteira na casa dos R$ 20 milhões, reformulou sua operação recentemente depois de atingir 35% de inadimplência. Passou a adotar os empréstimos em grupo (cerca de 30% do total) e as parcerias. Agora, pretende fechar o ano com R$ 85 milhões e deve atingir o chamado break-even (ponto em que a operação passa a ser rentável), com R$ 50 milhões em carteira.