Título: Jacques Chirac sai de cena após quatro décadas
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Fonte: Valor Econômico, 16/05/2007, Internacional, p. A8

Em seu último pronunciamento como presidente, Jacques Chirac pediu ontem aos franceses para permaneçam unidos e ligados aos valores que fizeram da França uma potência da Europa e país defensor da paz mundial. Chirac se disse orgulhoso de seu legado após 12 anos de governo e afirmou que planeja se dedicar agora à luta pelo desenvolvimento sustentável e pelo diálogo entre culturas. O também conservador Nicolas Sarkozy assume hoje a Presidência da França.

Aos 74 anos, Chirac disse que o país deve ser una nação de oportunidades iguais e um um motor para a integração da Europa. Os dois apelos trouxeram à memória dois momentos difíceis de seu governo: os conflitos de 2005 que expuseram a discriminação contra os imigrantes da França e a rejeição dos eleitores franceses à Constituição da União Européia, que Chirac havia defendido.

Durante um discurso televisionado, o presidente se disse "orgulhoso pela missão cumprida", mas não listou nenhuma realização de seu governo. Ao falar do sucessor, afirmou: "Eu sei que o novo presidente, Nicolas Sarkozy, se esforçará para conduzir a nossa nação à frente pelos caminhos do futuro".

A estrela de Chirac sempre brilhou mais na esfera internacional do que doméstica. E agora suas atenções irão voltar-se para a criação de uma nova fundação que visará capitalizar justamente sua reputação internacional. Seus assessores dizem que a fundação, similar à do ex-presidente americano Bill Clinton, deverá se concentrar em desenvolvimento sustentável e diálogo entre culturas, com particular ênfase na África. Chirac freqüentemente privilegiou entendimento cultural em detrimento de exportação dos valores ocidentais - uma postura da qual Sarkozy se distanciou, em um discurso na noite em que foi reconhecida sua vitória, ao dizer que a França irá colocar-se ao lado dos oprimidos pelo fundamentalismo.

As relações da França com a África provavelmente serão menos próximas, e mais pragmáticas, com a partida de Chirac, que cultivou laços com ex-colônias francesas na África - e foi criticado por sua intimidade com líderes africanos autoritários. Sarkozy tem poucos desses vínculos.

Ao deixar a presidência, Chirac estará encerrando cerca de quatro décadas na política. Ele fundou o partido neogaullista União para a República, hoje transformado na União por um Movimento Popular, (UMP, sigla em francês) que Sarkozy comandou antes de ser eleito presidente em 6 de maio.

O presidente que deixa o poder organizou as principais forças de direita, construindo uma poderosa máquina política que, juntamente com o Partido Socialista, são as forças dominantes na política francesa. Seu empenho em levantar recursos para seu partido está no cerne das acusações de corrupção que o envolvem, relativas a financiamento ilegal do partido.

Chirac disse seu adeus à Europa numa visita a Berlim em 3 de maio. Em sua última presença num grande encontro da UE, em março, ele insistiu na necessidade de um forte papel para a Europa em um mundo "multipolar" - tema que foi carro-chefe da política externa de Chirac. Em um dos pontos marcantes de seu mandato foi em 2003 quando se opôs à invasão do Iraque liderada pelos EUA.

Em outro ponto muito lembrado de seu governo, Chirac cometeu um erro de julgamento sobre o eleitorado francês, ao promover um referendo sobre a Constituição da União Européia, por cuja aprovação ele se empenhou vigorosamente, em 2005. O "não" de franceses e holandeses à Constituição paralisou, a partir de então os esforços pela integração européia.

O único presidente francês a despedir-se do país pela TV foi Valéry Giscard d´Estaing, em 19 de maio de 1981, antes de transmitir o poder ao presidente socialista François Mitterand.

Como ex-presidente, ex-prefeito de Paris e por outros cargos que ocupou, Chirac receberá uma aposentadoria de cerca de US$ 8,12 mil por mês. Além disso, ele está apto agora a se juntar ao Conselho Constitucional, uma das mais altas instâncias do país.

A despedida de Chirac, o último sobrevivente de uma geração de políticos que começaram suas carreiras no pós-Guerra, durante a gestão do general Charles de Gaulle, leva a Palácio do Eliseu uma nova geração de líderes determinados a estabelecer uma linha divisória com o passado. Sarkozy promete dar um novo impulso à economia, atacar o pesada dívida pública e restaurar o pleno emprego. Mas também terá de lidar com tensões sociais que ainda fervilham após os confrontos de 2005.