Título: FMI vai julgar se país agiu de 'boa-fé'
Autor: Marcia Carmo, para o Valor
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2005, Finanças, p. C1

A Argentina poderá enfrentar novo embate na diretoria do Fundo Monetário Internacional (FMI) se não conseguir um percentual razoável de adesão dos credores à sua oferta de troca da dívida externa. Em tese, o FMI não se pronuncia sobre a troca, porque essa é uma questão entre os investidores e o país. Mas, depois de concluída a operação, o Fundo terá de decidir se continuará emprestando dinheiro à Argentina ou não. E de acordo com o estatuto da entidade, que rege empréstimos para "países em atraso com suas obrigações", o FMI só pode emprestar recursos a países que "negociem de boa-fé" com os credores. Embora haja rumores de mercado de que o FMI exigiria 80% de adesão para considerar a negociação bem-sucedida, não há um "número mágico" para aprovação pela diretoria do Fundo. "É claro que uma adesão muito baixa será um sinal de problemas que a Argentina continuará tendo de resolver, por exemplo, sofrendo ações judiciais", diz uma fonte da instituição. "Mas isso não quer dizer que o Fundo rejeite a renegociação." Um percentual de adesão muito baixo, entretanto, pode reeditar a divisão entre os países que ocorreu no período anterior à renegociação com os credores privados. A insistência da Argentina em manter um superávit primário baixo (3% na época) provocou abstenção de 40 países na votação do acordo fechado em Dubai, Emirados Árabes. A Argentina já parte de um patamar de 30% conseguido com a adesão dos investidores locais. Se chegar à diretoria com menos de 50%, poderá ter dificuldades em comprovar que agiu de boa-fé. O diretor representante da Itália no board do FMI, Pier Carlo Padoan, disse numa entrevista ao jornal italiano "Il Sole 24 Ore" que com menos de 75% a Argentina não poderá afirmar que resolveu o problema da dívida em moratória. "Não acredito que esse número seja um consenso dentro da diretoria", contrapôs a fonte do Fundo ao Valor. Cerca de 15% da dívida em default, cujo valor total supera US$ 100 bilhões, está em mãos de investidores italianos, e outros 9% com americanos. O diretor da empresa de administração de recursos Darby Overseas, Pedro Batalla, acha que apesar das péssimas condições oferecidas aos investidores, a adesão deve ser razoável. "Os investidores estão cansados de brigar com o governo argentino e querem deixar isso para trás." Executivos de bancos em Nova York reagiram ontem com irritação à entrevista do ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna, que ameaçou processar os investidores que entrarem na Justiça contra o país para tentar receber mais do que o oferecido. A oferta inclui uma cláusula de "credor preferencial", que beneficiaria os investidores que aceitarem a proposta atual. Estes investidores teriam preferência se o governo decidir melhorar a oferta no futuro. Mas, como a cláusula não se aplica a decisões judiciais, não defende os investidores de eventuais ganhos aos que preferirem a via litigiosa. A conhecida família Dart, que no passado já complicou a renegociação brasileira, comprou papéis argentinos e já conseguiu ganhar na Justiça condições melhores para recebimento das dívidas em moratória do Peru e Equador.