Título: Argentina lança oferta para pôr fim à moratória
Autor: Marcia Carmo, para o Valor
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2005, Finanças, p. C1

A Argentina apresentou ontem proposta para sair da moratória em que se meteu em dezembro de 2001. A reestruturação dos US$ 81,8 bilhões, mais cerca de US$ 2 bilhões de juros, envolve a troca de 152 títulos públicos por outros três bônus - Par, Discount e Quase Par. Os credores terão prazo entre esta sexta-feira e o dia 25 de fevereiro para aderir à oferta do governo argentino, apresentada pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna, e pelo secretário de Finanças, Guillermo Nielsen. O resultado da adesão será divulgado no dia 18 de março, mas já foi aberta a polêmica sobre o índice que colocaria um fim ao maior calote da história do capitalismo e com maior deságio previsto na reestruturação de dívidas no mundo. Lavagna afirmou que já se considerará "satisfeito" se houver adesão de 50% dos que investiram nos papéis da dívida do país. "O país terá terminado sua penosa etapa de default", disse. O Fundo Monetário Internacional (FMI) considera que 75% deve ser o patamar para que a Argentina considere que reestruturou sua dívida pública emitida e adquirida por privados, entre fundos de pensão, bancos, companhias de seguro e pessoas físicas. Por sua vez, diferentes analistas, como Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados, e Jorge Vasconcellos, da Fundação Mediterrânea, destacam que um país só pode considerar que enterrou seu calote se todos os envolvidos concordarem com a nova oferta do governo. Os dois economistas lembraram que o Uruguai, por exemplo, foi classificado livre da sua moratória quando conseguiu 92% de adesão na reestruturação da dívida realizada em 2003. O ministro da Economia da Argentina lembrou, mais de uma vez, da "excepcionalidade" para a reformulação dessa dívida, devido a seu tamanho e complexidade que envolve dezenas de papéis e em diferentes moedas. "Com 50% de adesão à nossa proposta, mais o pagamento aos organismos internacionais, chegaríamos a 66% de compromisso financeiro atendido. E consideraríamos um bom índice", ressaltou. O ministro lembrou que a Argentina está com 43% da sua dívida em condições normais, incluindo especialmente o FMI. Alvo, aliás, de novas críticas indiretas do ministro. Ele disse que nos anos 90 a Argentina foi apresentada como "exemplo" para o mundo, mas que desde 1994 já se vislumbrava a recessão e os efeitos do excesso de emissão de dívida. "Pagamos um preço alto, com desemprego, pobreza e desarticulação política e não podemos desejar que nenhum país e nem mesmo a própria Argentina volte a provar esta experiência desastrosa da moratória da sua dívida", afirmou. Guillermo Nielsen informou que o valor máximo da nova dívida será de US$ 38,5 bilhões para o caso de que a adesão aos novos títulos seja "igual ou inferior" a 70% e que chegará a US$ 41,8 bilhões para o caso de o total de aceitação chegar a ser superior a 70%. Tanto Nielsen quanto Lavagna voltaram a destacar que "essa é a última oferta" da Argentina. O deságio para cada papel, como afirmou Nielsen, vai variar entre 63% e 68% e o prazo para o pagamento em até 42 anos. Todos os três novos títulos, que vão totalizar onze produtos, em dólar, euro e pesos, terão um cupom vinculado ao crescimento acumulado, no ano, do Produto Interno Bruto (PIB). Mas como ressaltou o economista Orlando Ferreres, ele se limitará à diferença acima dos 3% acumulados no período, podendo ser para mais ou para menos, dependendo do índice desta expansão econômica. "Estamos simplificando a dívida que vai continuar alta, mas de agora em diante nosso objetivo é reduzi-la gradativamente", afirmou Nielsen. O secretário de Finanças disse ainda que os primeiros credores a aderirem à oferta acabarão beneficiados com a escolha do papel que para ele será o protagonista desta troca de papéis, o chamado "Bônus Quase Par", preparado principalmente para as AFPJs (Administradoras de Fundos de Pensão e de Aposentadorias), que está em pesos e 42 anos de prazo para ser honrado. Nielsen afirmou que não há limite de emissão por moeda, mas que o Bônus Par, por exemplo, está limitado a US$ 10 bilhões, podendo chegar a US$ 15 bilhões, se a aceitação superar os 70%. Esse é o único dos novos títulos a não ter desconto e há prazo de três semanas para se inscrever e prioridade também para os pequenos investidores, com menos de US$ 50 mil. Como ele tem cupom limitado, terminaria rápido. O Discount prevê pagamento de mais juros (5,5%) que os demais, totalizará US$ 75 bilhões, mas com desconto de 70%. No longo discurso para um grupo de cerca de noventa representantes dos investidores, entre bancos e fundos de pensão (chamadas de AFJPs), o ministro da Economia disse que essa é a única reestruturação "compatível" com o crescimento econômico do país e que se a expansão passar a ser sustentável, quem sabe se poderá pagar mais e mais rápido. Para surpresa de muitos, ele disse que o governo não descarta "o caminho judicial" para conseguir impor sua proposta.