Título: Lula descarta prioridade do PT à sucessão
Autor: Costa, Raymundo e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2007, Especial, p. A14

Na segunda entrevista coletiva que concedeu em cinco anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou cabalmente a hipótese de concorrer a um terceiro mandato consecutivo, defendeu a escolha de um candidato de "consenso" da coalizão governista para 2010 e disse que é favorável ao aumento da capacidade de endividamento dos Estados, uma reivindicação dos governadores.

Tanto os partidos políticos como o Ministério da Fazenda receberam com cautela as afirmações do presidente. O ministro Guido Mantega, por exemplo, ponderou que prefere encontrar mais espaço fiscal para investimentos dos Estados sem que isso leve, necessariamente, a ampliar o limite de endividamento. Tolerar mais dívida para os Estados obrigaria a União a se esforçar mais para cumprir a meta de superávit primário do setor público consolidado (3,8% do PIB).

Já os políticos aliados consideraram improvável a escolha de um candidato de "consenso" entre os 11 partidos que integram a a coalizão governista, numa eleição a ser realizada em dois turnos. O mais provável é que os partidos tenham candidato no primeiro turno e deixem eventuais alianças para o segundo turno.

O PT, partido que segundo Lula não "necessariamente" daria o candidato da coalizão, trabalha para ter candidato próprio em 2010. O mesmo ocorre com o bloco de esquerda, que ensaia a candidatura de Ciro Gomes (PSB). O PMDB namora a idéia de atrair o governador tucano de Minas Gerais, Aécio Neves, para um projeto presidencial.

Como movimento tático, os partidos consideraram "natural" Lula defender uma candidatura de consenso da coalizão com a qual deve governar por mais três anos. Mas apontam dificuldades. Ricardo Berzoini, o presidente do PT, por exemplo, destaca que cada partido tem seu próprio projeto de poder e aponta para o exemplo de Pernambuco, onde PT e PSB não conseguiram se entender para lançar uma candidatura única ao governo do Estado, nas eleições de 2006.

Os dirigentes partidários só vislumbram uma hipótese de haver um candidato de "consenso" da coalizão em 2010: o próprio Lula, se forem mantidas ou melhoradas as atuais condições políticas. Houve aliado de Lula, aliás, que chegou a ver um "ato falho" na proposta do presidente, apesar dele praticamente ter assumido um compromisso de que não tentará um terceiro mandato consecutivo, mesmo na hipótese de o Congresso aprovar uma legislação que lhe permita nova reeleição.

"Eu acho imprudente alguém tentar apresentar qualquer mudança, permitindo um terceiro mandato. Se tiver prudência dos partidos políticos, a melhor reforma política que poderia acontecer seria acabar com a reeleição, aprovar um mandato de cinco anos", disse Lula. Mas o presidente deixou em aberto a possibilidade de concorrer novamente em 2014 ou 2015. "E se a pessoa fez um bom governo, cinco anos depois de ausência ela poderia voltar e concorrer a nova eleição". Lula disse que orientou os aliados a não apresentar emenda que permita a reeleição em 2010. " Eu acho uma provocação à democracia brasileira".

No entanto, Lula quer eleger o sucessor. Sem citar diretamente nem o PSDB nem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, brincou que é duro "você terminar um mandato e ninguém te chamar para nada, as pessoas te esconderem, fingirem que você não é do partido, não citarem o seu nome, não o convocarem para a televisão". Espera que seu caso seja justamente o inverso: "Eu quero ser um presidente diferente. Quando chegar a eleição de 2010, eu quero estar tão afiado que as pessoas vão pedir para eu ir ao palanque: 'Vamos lá Lula, vamos fazer um comiciozinho'. Sobre o governo de coalizão, o presidente rebateu as notícias de que haja ameaça de boicote de aliados em votações importantes do governo como represália à demora na definição dos cargos do segundo escalão. "Não existe votação por nomeação de cargo. Lula garantiu que a disposição para o diálogo estende-se não apenas aos aliados, mas também à oposição.

"Essa é a coisa interessante de quem não está pensando em nova eleição. Eu estou mais leve, eu posso te dizer que tiraram das minhas costas uns 30 quilos. Eu não tenho que pensar nas eleições, o problema agora é de quem quer ser candidato em 2010, não é meu", brincou.

Lula demonstrou irritação quando questionado pelo fato de muitos de seus atuais subordinados no ministério - como o professor Mangabeira Unger e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima - terem sido críticos ferozes nos primeiros quatro anos de governo. Para o presidente, isso aconteceu no passado porque os dois não faziam parte do governo e enfatizou que, agora, ambos sairão pelo Brasil defendendo o governo e o presidente Lula. "Muita gente vai engolir o que disse do governo, com muita tranqüilidade".

Em relação ao endividamento dos Estados, os governadores reivindicam que seja equivalente a duas vezes a receita corrente líquida, limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000. O problema é que, em 2000, eles já estavam comprometidos com o teto de dívida igual à receita, previsto na Lei 9.496 de 1997, que permitiu a reestruturação da dívida com a União. "Prefiro outras alternativas. Abrir espaço para endividamento dos Estados, mas mantendo a regra que foi estabelecida nos contratos de reestruturação da dívida", disse Guido Mantega.

De qualquer maneira, o ministro admitiu que o aumento do limite de endividamento não está descartado porque a decisão é do presidente da República. Entre as alternativas defendidas por Mantega estão a troca da dívida por outro compromisso em melhores condições e novas normas que flexibilizariam o pagamento de condenações judiciais (precatórios).

Uma ou outra gafe, erros freqüentes nas informações citadas para ilustrar seus argumentos e o uso moderado do bordão "nunca antes neste país" marcaram a segunda entrevista coletiva de Lula. Um dos tropeços do presidente com a história ocorreu quando ele, referindo-se ao medo de "mudanças" disse lembrar "quando Oswaldo Cruz criou o remédio para combater a febre amarela no Rio de Janeiro, queriam linchá-lo".

Na ocasião, medidas conduzidas por Oswaldo Cruz desencadearam a Revolta da Vacina. Ele montou brigadas de mata-mosquitos e promoveu desinfecção de casa em casa para combater a febre amarela, o que foi encarado pela população como invasão de privacidade, e gerou insatisfação com a obrigatoriedade de vacinação para varíola, mas não criou nenhum novo remédio. E cometeu um deslize maior quando falou sobre a China e a competição enfrentada pela indústria nacional. Outro erro foi dizer que o Brasil precisava levar a China para a OMC. A China aderiu em 2001.

Na área de energia, o presidente cometeu uma série de erros, como ao fornecer o preço da eletricidade por fonte nuclear. Para argumentar que a energia hidráulica é mais barata e custa em torno de US$ 40 por megawatt-hora (MWh), Lula informou que o preço do MWh de uma fonte nuclear sai por cerca de US$ 140, quando o valor real gira em torno dos R$ 140. (Colaboraram Arnaldo Galvão e Daniel Rittner)