Título: BC deixa dólar cair abaixo de R$ 2
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini e Guimarães, L. Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2007, Finanças, p. C1

O mercado ficou surpreso, ontem, com a atuação modesta do Banco Central, que permitiu que o câmbio fosse abaixo de R$ 2 pela primeira vez desde 15 de fevereiro de 2001. Para especialistas ouvidos pelo Valor, o BC jogou a toalha e resolveu deixar o dólar despencar. A moeda americana caiu 1,29%, para R$ 1,9830, e o BC, que vinha comprando pesadamente, principalmente quando a cotação se aproximava dos R$ 2, comprou apenas US$ 440 milhões no mercado à vista. Há cinco dias parou de comprar dólar no mercado futuro, por meio do "swap reverso".

Para se ter uma idéia de comparação com sua política mais recente, três dias são emblemáticos: 1) no dia 3 de maio, quando o dólar bateu R$ 2,008 pela manhã, o BC comprou US$ 4 bilhões - nada menos do que US$ 3,152 bilhões no mercado futuro e mais US$ 1 bilhão no mercado à vista, segurando o dólar a R$ 2,0280; 2) no dia 20 de abril, comprou US$ 650 milhões no futuro e US$ 250 milhões à vista, conseguindo que o dólar fechasse a R$ 2,028; 3) no dia 13 de abril, comprou outros US$ 1,5 bilhão à vista, segurando o dólar a R$ 2,0220.

No ano, segundo calcula o mercado, o BC comprou cerca de US$ 42,7 bilhões à vista e emitiu US$ 7 bilhões líquidos em "swaps reversos" (compras no mercado futuro). Se o BC não queria tentar segurar a cotação acima de R$ 2 pelo menos por um período, como argumenta, por qual razão teria gasto tanta bala, se perguntam os analistas dos bancos? Para reduzir a volatilidade apenas poderia gastar bem menos. Nos quatro primeiros meses do ano, o dólar oscilou de R$ 2,1530 ao mínimo de R$ 2,0210.

As compras agressivas do Banco Central levaram especialistas como Octavio de Barros, diretor do departamento econômico do Bradesco, Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, Delfim Netto, ex-ministro, e Paulo Leme, estrategista da Goldman Sachs, a se referir à política cambial do governo como "flutuação suja" do câmbio, em debate promovido na semana passada, com a presença de mais de 400 pessoas. Atuações de mais de US$ 50 bilhões em menos de cinco meses não passam desapercebidas, afinal.

Para o mercado, foi após a saída de Rodrigo Azevedo da diretoria de política monetária do BC e da entrada de Mario Torós, por volta do dia 20 do mês passado, que o BC passou a aumentar suas posições líquidas em "swaps reversos" sem avisar no dia anterior. Analista chegou a conjecturar que Azevedo não gostava do instrumento, talvez pelo custo fiscal explícito na dívida interna pública. O acúmulo de reservas é melhor visto pelas agências de classificação de risco de crédito, pois reduz a vulnerabilidade externa.

Esteja essa tese correta ou não, o estilo "truculento", "errático" e "inesperado" do operador Torós foi amansado: por alguma razão que o mercado diz desconhecer, o BC pôs o pé no freio em suas atuações no câmbio e admitiu um novo piso para a taxa. Há dúvidas se a modéstia na compra se tornará um padrão, ou se amanhã o BC voltará a atuar com mais força, inclusive com os "swaps reversos".

Os analistas são unânimes em apostar, no entanto, que se o BC continuar mansinho, o mercado vai para cima dele e o dólar pode bater, no curto prazo, um nível estimado entre R$ 1,90 e R$ 1,85. Isso significa uma queda de 4,2% a 6,7%. Abaixo disso, os exportadores se sentiriam desestimulados a vender e os estrangeiros parariam de ampliar suas posições vendidas em dólar. Os importadores poderiam tentar comprar.

O novo piso, no entanto, vai depender da decisão política do governo, de se vale a pena arcar com custos fiscais nada desprezíveis e ampliar a dívida interna para manter o real mais estável.

Com as compras pesadas do BC, as reservas internacionais já estão em níveis estimados que vão de US$ 125 bilhões a US$ 128 bilhões. Somando o total aos US$ 19 bilhões ativos em "swaps reversos" de estoque (US$ 12 bilhões já vieram do ano passado), chega-se a US$ 147 bilhões. A dívida externa bruta total do país - inclusive a do setor privado, mas excluídos os empréstimos entre companhias do mesmo grupo, chegava a US$ 156 bilhões no final de 2006, uma diferença de US$ 9 bilhões, portanto. Muitos analistas, como o estrategista da Goldman Sachs, Paulo Lemes, consideram que esse nível de reservas é mais que suficiente.

É necessário lembrar que o ritmo de queda do dólar também será determinado pela política monetária - é raro ver um economista que não admite que os juros impactam, com maior ou menor força, o câmbio. A maioria do mercado aposta no corte de 0,5 ponto básico na Selic. Mas, após a divulgação das vendas no varejo, que tiveram aumento de 11,5% em março na comparação com o mesmo mês de 2007, há quem fale em atividade forte demais e defenda o corte de 0,25 ponto básico. Se o corte for menor do que espera o mercado, será ainda mais difícil segurar o dólar.