Título: Fornecedores de Embraer unem forças
Autor: Nakamura, Patrícia
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2007, Empresas, p. B6

Na semana passada, os empresários Ney Pasqualini Bevacqua e Gianni Cucchiaro decidiram colocar em prática um plano que vinha sendo discutido há cerca de seis meses: unificar as operações de suas pequenas fábricas, com sede em São José dos Campos (SP). Em comum, a Winnstal, de Bevacqua, e a Friuli, de Cucchiaro, têm capital 100% nacional, dificuldades de obter financiamentos a taxas competitivas e receita anual entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões. Têm ainda como principal cliente a Embraer, terceira maior fabricante de jatos do mundo e responsável por 80% do faturamento de ambas.

Nos próximos 100 dias os executivos vão traçar as estratégias de negócio da WF Structures & Systems, que já nasce com metas ambiciosas - alcançar vendas de R$ 20 milhões no primeiro ano de operação e passar a explorar o mercado internacional. "O ponto fraco de uma é o forte de outra", afirmou Bevacqua, da Winnstal, empresa especializada em estamparia, tratamento de superfície e pintura de sub-conjuntos, com unidades em São José dos Campos e em Botucatu. Juntas, fortalecidas, a Winnstal e a Friuli (que produz usinados) poderão fornecer equipamentos de maior valor agregado e eliminar etapas de produção que são feitas dentro da Embraer.

A fusão das duas empresas antecipa uma das tendências que serão apontadas num estudo para o adensamento da cadeia produtiva do setor aeronáutico brasileiro, que vem sendo desenvolvido pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a própria Embraer. A intenção é criar indústrias mais robustas - por meio de fusões entre grupos já existentes -, com capacidade de captar financiamentos e de realizar investimentos pesados, além de ampliar a fabricação de componentes no país. O projeto, supervisionado pela Unicamp, deve ficar pronto até o fim do ano.

Para a Embraer, que enfrenta problemas de fornecimento em suas linhas de montagem, a notícia é boa e vem na hora certa.

O fortalecimento da cadeia pode garantir às fabricantes impulso importante para competir também no exterior, reduzindo sua dependência da fabricante brasileira de jatos. "Sem capacidade de investimento, as indústrias nacionais perderam a oportunidade de fazerem parte de novos projetos de jatos da Airbus e da Boeing", disse Agliberto Chagas, diretor-executivo do Centro para Competitividade de e Inovação do Cone Leste Paulista (Cecompi), entidade de estímulo de gestão e inovação tecnológica que está articulando a criação da WF e de outros grupos de fornecedores. "Elas ficaram focados só no mercado brasileiro, estimado em US$ 3 bilhões, e agora precisam se apressar para competir no resto do mundo, que movimenta mais de US$ 300 bilhões", disse.

O trabalho de fomento deve se concentrar em cerca de 50 empresas nacionais, fornecedoras contumazes da Embraer. São empresas que empregam mais de 3 mil pessoas, tiveram faturamento médio de R$ 5 milhões no ano passado e foram criadas, na maioria dos casos, por ex-funcionários da própria Embraer.

Ao ganharem mais estrutura para competir lá fora, essas indústrias também passam a oferecer à Embraer condições mais firmes de fornecimento de produtos. O programa de adensamento da cadeia vem num momento delicado para a fabricante de jatos.

Os problemas com fornecimentos de asas e de outros equipamentos e os custos extras para reduzir os atrasos nas entregas das encomendas fizeram o lucro da Embraer cair 32% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período em 2006.

A Embraer informa que tais problemas foram superados, mas mostra preocupação em relação aos fornecedores para cumprir pontualmente às mais de 400 encomendas de jatos comerciais e outras 400 da nova linha de jatos executivos Phenom, que somam US$ 15 bilhões. O problema se agrava ao se considerar que o mercado mundial no setor está aquecido e há poucos fabricantes para equipamentos fundamentais, como as turbinas.

"Compraríamos mais do Brasil se houvesse condições, mas os projetos aeronáuticos se transformaram em casamento de longo prazo com fornecedores, os quais concentram num só local sua produção. Trazer para o Brasil uma linha de produção só é possível se a demanda justificar tamanho investimento", afirmou ao Valor Nelson Salgado, diretor de planejamento corporativo da empresa. "Muitos equipamentos exigem tecnologia de ponta que ainda não chegou aos fornecedores brasileiros". Hoje, 50% do valor de uma aeronave é composta por componentes importados. De janeiro a março, a empresa foi responsável por compras externas de US$ 610 milhões segundo a Secretaria do Comércio Exterior - é o segundo maior importador do país, só perdendo para a Petrobras.

Salgado diz que não há um percentual "desejável" de nacionalização nem quais partes do avião podem ser nacionalizadas ou repassadas para terceiros - parte da fuselagem dos jatos 170 e 190, por exemplo, é produzida dentro da própria Embraer. Pessoas envolvidas no projeto de adensamento da cadeia apontam, porém, que um índice de componentes nacionais ideal estaria na casa de 70%, entre os produtores 100% brasileiros e os internacionais que trouxeram linhas de produção para o país.

Para colocar em prática o projeto dos jatos 170/190, no fim da década de 90, a Embraer conseguiu atrair unidades de produção de gigantes da aeronáutica como a belga Sonaca, a espanhola Gamesa (atual Aernnova), a francesa Latecoere e a americana C&D, que aceitaram se tornar parceira de risco e vão ter retorno de seus investimentos num prazo de cinco a seis anos.

Mesmo assim, com parceiros de peso no setor, a empresa enfrentou problemas com a Kawasaki, fabricante de asas que não conseguiu acompanhar o aumento da demanda e teve sua produção, em Gavião Peixoto (SP), assumida pela Embraer em meados de 2006.

Muitas das parceiras de risco tiveram apoio do BNDES para se instalar no país - ajuda que só será estendida aos fabricantes nacionais a partir do ano que vem, quando o estudo do banco estiver concluído. "À medida que nossa produção cresce, abrimos oportunidades para que as nacionais se desenvolvam também ", afirmou o executivo. Dentro do departamento de qualidade, a Embraer mantém um programa de aprimoramento de fornecedores.