Título: Lucro responsável
Autor: Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2005, Eu &, p. D1

Um estudo do Fórum Econômico Mundial (WEF na sigla em inglês) - organização internacional financiada pelas mil maiores corporações do mundo para discutir tendências econômicas - mostra que, apesar de a preocupação ética nos fundos de pensão e de ações estar aumentando nos últimos anos, a questão ainda tem de chegar ao pequeno investidor. O assunto ganha relevância à medida que mais pessoas procuram o mercado de ações para preparar a aposentadoria. De acordo com o relatório, a predominância do perfil de curto prazo é o principal motivo da falta de interesse dos investidores pessoas físicas e dos fundos por papéis de empresas socialmente responsáveis. Segundo a pesquisa, o tempo de permanência de cada papel nas carteiras dos fundos de investimento nos EUA caiu de sete anos na década de 50 para dez meses. A falta de capacidade de analistas em avaliar aspectos sociais e ambientais pesa contra os investimentos "politicamente corretos", mostra o levantamento. Segundo o WEF, os analistas ficam concentrados exclusivamente em aspectos financeiros e deixam de lado outros pontos importantes para a sociedade. Boatos de mercado têm mais espaço nos relatórios do que as ações sociais das companhias, diz o estudo. Como os pequenos investidores preferem as interpretações e explicações de corretoras, as ações sociais passam despercebidas, mesmo quando mencionadas nos balanços pelas empresas. Uma pesquisa realizada pela Values and Value na Inglaterra aponta que menos de 5% dos profissionais do mercado financeiro e gestores de fundos do país levam em conta questões sociais e ambientais, mas a maioria deles não cita esses itens nos relatórios. Um dos motivos, avalia o estudo, é a forma de remuneração das áreas de análises das corretoras - o chamado "sell side" -, que ganham taxa de corretagem e, portanto, buscam o maior número de negócios possível. Já nos fundos de investimento e de pensão - potenciais compradores das ações responsáveis -, os especialistas mais experientes que se preocupam com as atitudes éticas das empresas são transferidos do trabalho de análise de empresas para as áreas de estratégia, com visão mais macroeconômica. Nelas, há menos espaço para aplicar tais conhecimentos. Os gestores de fundos entrevistados pelo WEF jogam a culpa nos clientes, dada a busca por performances de curto prazo. Segundo o levantamento, os especialistas desistem de fazer análises sociais e ambientais porque ninguém as compra, apesar de reconhecerem que elas fazem bem à "imagem". O diretor geral do Instituto Global de Parcerias e Governança do WEF, Richard Sammans, responsável pelo estudo, acredita que a responsabilidade social poderia ter um peso maior nas decisões dos fundos de investimento se os gestores tivessem mandatos maiores, ou seja, se não tivessem de prestar contas em prazos tão curtos. Nos fundos usados para aposentadoria, esse perfil faz ainda menos sentido, diz o estudo, pois são investidores preocupados com o longo prazo, mais de 30 anos. Ironicamente, acabam vinculados a aplicações curtas. Na opinião de Sammans, os dados das companhias sobre o seu impacto no meio-ambiente e na comunidade em que estão inseridas também não são consistentes. "Fica difícil para os investidores analisarem o peso dessas informações nos resultados e mesmo comparar as empresas", diz. A responsabilidade social da empresa não é só questão de consciência ou de preocupação com a imagem da companhia. Nos EUA, as ações das empresas que compõem o Dow Jones Sustainability Index (DJSI) acumulam rentabilidade de 117% desde 1994, ganhando com folga dos 88,4% do Dow Jones geral no período. O DJSI foi criado em 1999. Os dados de 2003 mostram que US$ 2,16 trilhões, ou 11,25% dos US$ 19,2 trilhões administrados pelo segmento de fundos está em carteiras "socialmente responsáveis". O número equivale a quatro vezes os US$ 639 bilhões que havia em 1995. No Brasil, o primeiro fundo de ações com preocupações sociais, de novembro de 2001, o ABN Amro Ethical FIA, acumulou rentabilidade de 159,5% até o fim do ano passado, contra 112,8% do Ibovespa no período. Só em 2004, o ganho foi de 35,9%, frente aos 17,81% do indicador da bolsa. O segundo produto no estilo foi lançado pelo Itaú em outubro. A Bolsa de Valores de São Paulo prepara para este ano o Índice de Sustentabilidade Empresarial, nos moldes dos internacionais, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. Para Bruno Erbiste, analista do fundo Ethical, além dos problemas citados pelo WEF, no Brasil há ainda um mito entre os investidores de que a preocupação social significa ajudar a empresa a fazer obras sociais com o dinheiro do acionista, abrindo mão de rentabilidade. "Mas estamos olhando justamente as empresas melhor administradas, que vão gerenciar bem os riscos no futuro." O relatório do WEF cita ainda empresas que, no curto prazo, já têm sofrido o impacto de suas atitudes com relação à comunidade. Caso da multinacional ABB, que enfrenta processos por causa do uso do amianto. Ou da Wal-Mart, que viu suas ações caírem por causa de denuncias de discriminação no trabalho. Já o McDonald's, depois de reagir a preocupações com a obesidade da população, mudou seu cardápio e o valor de seus ativos voltaram a subir. A falência da empresa ferroviária inglesa Railtrack é um caso citado de papel que os "fundos éticos" venderam por avaliarem que as preocupações sociais da companhia eram pobres, apesar de defenderem o uso de ferrovias como meio de transporte. Com isso, evitaram perdas que o restante do mercado teve. Do Brasil, a Natura é citada como companhia ''com fortes credenciais sociais e ambientais'', que desde sua estréia na bolsa, em junho do ano passado, acumula valorização de 92,80% até o dia 11 e chegou a subir 120,74% até 29 de dezembro. A preocupação social dos investidores, segundo o estudo do WEF, não deve ser apenas passiva - na hora de escolher ações para comprar. Em casos em que a participação dos minoritários tem peso - caso de fundos de ações -, é possível até mesmo mudar as políticas da empresa para torná-la mais socialmente responsável. É o que faz o fundo Australian Eco Share Fund. O relatório foi divulgado no contexto de promoção do Fórum Econômico Mundial, que acontecerá de 26 a 30 de janeiro em Davos, nos Alpes suíços. Organizações não-governamentais anunciaram que vão aproveitar para fazer um evento paralelo nas proximidades para "premiar" empresas com "comportamento irresponsável". Para cada uma das categorias - direitos humanos, meio ambiente, direitos trabalhistas e evasão fiscal - há um grupo de "indicados", como Bayer, British Petroleum, Dow Chemical, KPMG, Monsanto, Nestlé, Shell, Stallion Garments, Syngenta, Total, Wal-Mart, Vodafone e Volcafé. (Colaborou Assis Moreira, de Genebra)