Título: Relatório da Aeronáutica mostra situação caótica no Cindacta 1
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2007, Política, p. A6

O sistema de tráfego aéreo brasileiro tem muito mais falhas do que fazem crer os depoimentos que militares vêm dando à CPI do Apagão Aéreo da Câmara dos Deputados. As provas disso constam de relatório oficial elaborado no âmbito do Centro de Controle de Área de Brasília (ACC-BS), da Aeronáutica. O documento, obtido pelo Valor, detalha o funcionamento do controle de tráfego aéreo do Cindacta I nos meses de setembro a novembro de 2006, incluindo o período em que ocorreu a queda do vôo 1907, da Gol. O documento mostra uma situação caótica.

De posse do deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), integrante da CPI, o relatório demonstra a existência de falhas não só nos radares como nas freqüências de rádio e de equipamentos auxiliares. O documento é feito com base nos "relatórios de perigo" elaborados pelos próprios controladores de vôo do Cindacta I, que tem sede em Brasília e é responsável pelo maior volume de vôos do país - entre os aeroportos de Belo Horizonte, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Os "relatórios de perigo" são preenchidos pelos controladores sempre que há uma situação merecedora de registro. Servem para a Aeronáutica fiscalizar e aperfeiçoar o sistema. Esses dados são tão importantes que a CPI requisitou todos os relatórios feitos nos últimos dois anos.

Entre setembro e novembro de 2006, os controladores do Cindacta I produziram 150 desses relatórios de perigo. As principais reclamações e denúncias são feitas contra panes de radares, inoperância ou fortes interferências de freqüências de comunicação com os aviões e até a aparição de pistas duplas nos monitores dos controladores. Nesses casos, a imagem do avião na tela fica dobrada e o controlador não tem certeza de sua localização exata.

No fim do relatório, há três observações feitas pelos controladores. Na primeira delas, fala-se que "as falhas de radares existentes nas localidades administradas pelo Cindacta I tornam os vôos no espaço aéreo brasileiro menos seguro. Fatos esses que poderão levar o controlador de vôo a executar procedimentos alternativos para se obter maior segurança e, por conseqüência, atrasos de vôos em todas as regiões do país". Em seguida, o texto reclama da duplicação de pistas nos monitores: "As duplicações de pistas e as pistas falsas relatadas nas ocorrências operacionais poderão causar transtornos no espaço aéreo devido ao fato de o controlador não ter certeza de qual das informações são corretas no equipamento do radar."

Por fim, os controladores reclamam da questão das freqüências, "sendo um dos maiores problemas enfrentados durante o turno de trabalho. Na falta do radar, ainda se pode trabalhar, mas sem meios de se comunicar será impossível o controlador repassar com precisão informações que garantam a segurança das aeronaves". "Isso é uma demonstração clara da falta de investimentos do governo federal no setor aéreo. É uma situação de caos", diz o deputado Macris. "Temos informações de que a Aeronáutica tem sérias dificuldades em convencer a Casa Civil e o governo de que os recursos para o setor não podem ser contingenciados", completa o tucano.

Relatório do Tribunal de Constas da União de 12 de dezembro de 2006 confirma a informação de Macris. No texto, há o registro de uma reunião com os secretários-executivos da Casa Civil e do Conselho da Aviação Civil (Conac) na qual foi dito que a política de contingenciamento do governo "não prevê exceção".

De fato, o contingenciamento foi levado a sério pelo governo. Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) dão conta de que, ao Cindacta IV, de Manaus, foram empenhados R$ 5 milhões em manutenção de equipamentos em 2004, R$ 4 milhões em 2005 e R$ 1,5 milhão em 2006 (quando apenas 39,3% desse valor foi efetivamente aplicado).

Em depoimento à CPI na manhã de ontem, o coronel Rufino Ferreira, chefe da investigação da Aeronáutica sobre a queda do avião da Gol, reconheceu a existência de falhas nos sinais. Segundo ele, embora não existam buracos negros entre os radares, há falhas de comunicação e dificuldades em alguns pontos. Há três dias, foi divulgado que o avião do papa Bento XVI teve problemas sérios de comunicação com o centro de controle de Recife. Informações da Aeronáutica dão conta de que a aeronave precisou de oito minutos para conseguir contato com a torre.

A pedido do Valor, o deputado Miguel Martini (PHS-MG), controlador de vôo por 16 anos e integrante da CPI, avaliou o documento. "O relatório mostra uma situação gravíssima. Como pode um controlador trabalhar nessas condições? O estresse é elevado, ele se desgasta muito e sua situação pode colocar em risco o sistema", afirmou. "A CPI precisa avaliar e descobrir como estão os equipamentos do nosso sistema. Precisamos ter uma idéia clara de onde é necessária manutenção e se há falta de recursos."