Título: Preço seduz mais o cliente de carro do que a marca
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2007, Empresas, p. B6

Em uma recente pesquisa que as montadoras costumam fazer e que escondem de todo o mundo, mais de 50% dos compradores de carros entrevistados disseram que não têm preferência por nenhuma marca. Ao serem questionados se tinham restrições à alguma montadora, os percentuais de resposta negativa subiram ainda mais, para níveis entre 60% e até 80%.

A fidelidade que os fabricantes de veículos tanto buscam com campanhas publicitárias que quase sempre destacam modernidade e qualidade em seus produtos, é muito mais frágil do que o setor propaga, mesmo em um mercado em que apenas três marcas - Fiat, General Motors e Volkswagen - detêm juntas exatos 70,03% das vendas de automóveis e comerciais leves.

A pesquisa que mostra um consumidor facilmente seduzido quando se trata de carro faz parte de um trabalho chamado "new car buyer" (o comprador de carro novo), que a indústria tenta manter em sigilo absoluto.

O mercado brasileiro de veículos continua dominado pelos três maiores fabricantes porque são também eles os donos da produção dos modelos populares, que representa 56% das vendas. Mas nos segmentos de mercado mais restritos, existe muita briga.

O diretor de marketing da Renault, Cássio Pagliarini, concorda que o domínio na fabricação dos modelos populares faz com que as três grandes marcas dominem o mercado. O executivo prevê, no entanto, que dentro de 10 anos haverá uma desconcentração de mercado. Ao longo desse período as fatias de mercado de Volks, GM e Fiat, segundo sua previsão, vão cair dos atuais mais de 20% para percentuais em torno de 15% a 20%. "Embora menor, o mercado chileno é um bom exemplo de desconcentração; ali nenhuma marca de carros tem mais do que 15% das vendas", afirma. Segundo ele, o quadro vai mudar porque mais montadoras deverão começar a disputar o mercado dos carros populares ou modelos não populares, mas menores.

E vários fatores fazem com que a disputa por um pedaço do mercado brasileiro de automóveis esteja cada vez mais difícil mesmo em momentos de vendas aquecidas, como ocorre hoje.

Um dos motivos é que depois que as matrizes dos grandes fabricantes de veículos no Brasil enfrentou crises financeiras nos seus países de origem, aumentou a pressão para que filiais, como as brasileiras, coloquem as finanças acima da briga pela participação de mercado.

"Hoje não se compra mais mercado porque é preciso cuidar da saúde financeira", afirma o diretor de marketing da General Motors , Samuel Russell. "Temos um compromisso com a manutenção da lucratividade na América do Sul", completa o gerente de marketing da Ford, Antonio Baltar.

Russell diz que o mercado está cada vez mais competitivo com o aumento da oferta das marcas mais novas. "Temos que lutar para não perder a participação quando o mercado se expande", afirma. Segundo o executivo, o maior risco vem com as marcas que vendem menos.

"Quando a concorrência vem de um pequeno, com rede menor e menos preparado, é mais preocupante", afirma. "Porque é com isso que ele se fortalece", acrescenta. "Se ele consegue avançar num mercado aquecido, no futuro, quando a coisa apertar para todo o mundo, esse pequeno estará estruturado e representará uma ameaça maior", destaca o diretor da GM.

Investigar o que o consumidor quer e acompanhar diariamente o que fazem as outras marcas é parte da rotina das montadoras. Todas acompanham diariamente os números nacionais de emplacamentos de veículos. É preciso ter criatividade para ganhar ou não perder participação.

Lélio Ramos, diretor de vendas da primeira colocada no mercado, a Fiat, lembra que o líder sofre um pouco mais "porque sempre estão no seu pé". Por isso, precisa procurar coisas novas.

Recentemente a montadora italiana criou um concurso de atendimento ao cliente. Os melhores vendedores ganham prêmios como fogão e geladeira. Além disso, criou uma área dedicada ao consumidor. A Fiat também não descuida de investimentos em internet e ações de marketing em programas como "Big Brother Brasil".

A Ford, no quarto lugar do mercado brasileiro, faz mapeamento constante por região. "Se o concorrente de determinada cidade está estocado dá para relaxar, mas se algo mostra que ele está forte é hora de partir para um feirão", afirma Baltar.

Feirão é uma alternativa, aliás, que parece não sair de moda na indústria automobilística. Russell, da GM, diz que às vezes tem dificuldades em explicar ao departamento financeiro a necessidade de partir para essa estratégia. "Quando eu quero fazer feirão, não é para desovar estoque, mas para manter a participação", destaca.

Entre as novas marcas, a Citroën gosta de colocar o produto a eventos, como o Fashion Week. A marca francesa costuma associar seus produtos a um estilo que chama de "premium". O importante é você ir buscar o cliente onde ele está", afirma o gerente nacional de vendas, Mário Mizuta.

Os carros da Citroën costumam desfilar em eventos como degustação de vinhos ou posar no saguão de entrada de teatros com grandes espetáculos, como ocorreu com o musical "Fantasma da Ópera", em São Paulo.

Apesar de o mercado estar aquecido, não é hora, dizem os executivos do setor, de aproveitar o aumento da demanda para reajustar preços. "Não dá para ser oportunista e querer aumentar o preço, principalmente no segmento de carros compactos, onde qualquer 1,5% de reajuste tira o veículo da faixa de consumo do cliente", afirma Mizuta.

Outra estratégia usada pelo setor automotivo hoje é aproveitar a facilidade de crédito. Depois de explorar o prazo de 60 meses nos dois últimos anos, a Ford lançou este ano o plano de 72 meses, com entrada de R$ 1 mil. Esta semana, a empresa apresentou mais uma promoção para vender o modelo EcoSport: financiamento em até 72 meses, sem entrada e com a primeira prestação para setembro.