Título: Alta Velocidade
Autor: Vieira, Maria Cândida
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2007, Caderno Especial, p. F1

As perspectivas para a bioenergia no Brasil são promissoras. Mas o país terá de se esforçar para manter o destaque que ocupa hoje na área de etanol, em que disputa juntamente com os EUA a posição de maior produtor do mundo. Além de empenhar-se para ajudar na criação de um mercado internacional, transformando o álcool em uma commodity, o Brasil precisa ainda definir uma estratégia clara para o produto. O outro desafio é consolidar o programa de biodiesel.

As perspectivas e o desenvolvimento do mercado mundial de etanol, a liderança brasileira no processo de internacionalização do álcool, o biodiesel como alternativa e os aspectos socioeconômicos desses combustíveis limpos e renováveis serão debatidos hoje, em São Paulo, no seminário Bioenergia Fonte de Energia para o Desenvolvimento Sustentável, promovido pelo Valor.

"O Brasil precisa de um plano estratégico de etanol para garantir o abastecimento nos mercados interno e externo e evitar uma crise no futuro", afirma Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, coordenador de agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e chairman da Comissão Hemisférica do Etanol, resultado de um acordo do Brasil e EUA com o objetivo de aumentar a produção e o consumo de álcool, além de promover parcerias em pesquisa e desenvolvimento tecnológico no setor. A comissão conta ainda com os coordenadores Jeb Bush, irmão do presidente George Bush, e Luis Alberto Moreno, presidente do Banco de Desenvolvimento Interamericano (BID).

O plano estratégico do etanol, segundo Rodrigues, deve definir, entre outros itens, quanto o Brasil vai destinar de cana-de-açúcar para a produção de açúcar e álcool por ano, quais os volumes destinados ao abastecimento interno e externo, quem vai cuidar da logística do álcool, do modelo concentrador de produção, da alcoolquímica, da relação entre produção de cana e alimentos, da questão ambiental e trabalhista, que envolvem problemas como o das queimadas e a mecanização da colheita.

"Precisamos de uma coordenação central de agroenergia, que junte os órgãos do governo, a iniciativa privada e as universidades para definir essa estratégia, senão, daqui a pouco, pode haver um excedente de cana, produto que não pode ser estocado como acontece com a soja ou o café", destaca Rodrigues. Ele lembra que, atualmente, são responsáveis pelo etanol oito ministérios - Agricultura; Minas e Energia; Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Desenvolvimento Agrário; Meio Ambiente; Ciência e Tecnologia; Itamaraty e Casa Civil - além de uma infinidade de organismos, entre eles, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bioediesel (ANP), Petrobras, Agência Nacional de Água (ANA) e diversas universidades.

Com a "febre" global da bioenergia, os investimentos no país nessa área são expressivos, com projetos sendo anunciados diariamente. Dados da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), entidade que reúne usinas de açúcar e álcool, indicam 86 novos projetos, além das 325 usinas já em operação. São investimentos de US$ 17 bilhões, dos quais cerca de US$ 14 bilhões na implantação de novas unidades e US$ 3 bilhões na expansão das plantas existentes.

Com essa perspectiva de demanda industrial, a produção de cana-de-açúcar, que foi de 425,7 milhões de toneladas em 2006/2007, deverá aumentar para 727,8 milhões de toneladas em 2012/2013, mais 71%. E a produção de álcool saltará de 17,5 bilhões para cerca de 30 bilhões de litros.

"O mercado mundial de etanol ainda é incipiente e volátil", avalia Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Ele observa que há três anos, a maior parte das exportações brasileiras de álcool foi para a Índia. Em 2006, o país exportou cerca de 3,5 bilhões de litros, porque conseguiu oportunidade de vender 1,6 bilhão de litros para os EUA, pagando "uma tarifa proibitiva" de US$ 0,14 por litro. Isso só foi possível porque os EUA decidiram banir rapidamente o uso do MTBE, um oxigenador que aumenta a octanagem da gasolina com elevados riscos de contaminação ambiental. Este ano, segundo ele, a oportunidade não vai se repetir.

A criação de um mercado internacional de etanol exige que mais países produzam álcool e há necessidade de uma padronização do combustível. Atualmente, diz Jank, os maiores produtores são os EUA e o Brasil, que fabricaram 18,5 bilhões e 17,5 bilhões de litros, respectivamente, em 2006. A produção mundial é de cerca de 50 bilhões de litros e o comércio, de uns 5 bilhões de litros, com o álcool e o biodiesel representando menos de 1% de todo mercado mundial de combustíveis.

A agroenergia, lembra ele, é muito protegida pelos países em função dos impactos que provoca nos mercados agrícolas. "Ironicamente, o mundo quer reduzir a dependência de um combustível, o petróleo, que tem seu comércio totalmente livre, por combustíveis renováveis e limpos, que são protegidos por tarifas elevadas."

Se o Brasil se destaca no etanol, cujo programa começou em 1975, em biodiesel, está apenas começando, com investimentos em usinas da ordem de US$ 2 bilhões. Atualmente, estão autorizadas a funcionar 23 usinas de biodiesel, afirma Roberto Furian Ardenghi, superintendente de abastecimento da ANP, o que representa uma produção de 964 milhões de litros. O volume é suficiente para a mistura de 2% em todo óleo diesel consumido no país, calculado em 40 bilhões de litros por ano. A partir de janeiro de 2008, a mistura com 2% de biodiesel no diesel torna-se obrigatória.

No processo de implantação de biodiesel, a Petrobras tem um papel fundamental como também teve no programa do álcool. A estatal praticamente tem comprado sozinha o biodiesel ofertado nos leilões da ANP, colocando a mistura em seus 4.200 postos de combustíveis espalhados pelo país, segundo Mozart Schmitt de Queiroz, gerente executivo de desenvolvimento energético. A Petrobras está construindo ainda três plantas de produção de biodiesel em Quixadá (CE), Candeias (BA) e Montes Claros (MG), que devem ser inauguradas no fim do ano. Os investimentos são de R$ 227 milhões e a capacidade de produção é de 57 milhões de litros cada. A empresa também assinou memorando com o Japan Bank for International Cooperation (JBIC) para projetos de produção e comercialização de etanol e biodiesel.