Título: Uso do bagaço reforça receitas das usinas
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2007, Caderno Especial, p. F2

A geração de energia elétrica por biomassa deve crescer com vigor nos próximos anos na matriz energética do Brasil. As dificuldades no licenciamento ambiental dos grandes projetos hidrelétricos e os entraves existentes no segmento de gás indicam que o país deve conviver com um cenário de equilíbrio entre oferta e demanda de energia a partir do próximo ano. Uma das opções em vista seria aproveitar o grande potencial da biomassa, cujos projetos demandam menos tempo para ficarem prontos e estão mais próximos dos grandes centros consumidores.

O anúncio do primeiro leilão de fontes alternativas, programado para ser realizado pela primeira vez na história no dia 18 de junho, vai estimular a inserção de energia de biomassa. Bem-sucedida, a experiência deve ser fortalecida nos próximos anos.

Pode ser produzida eletricidade a partir dos resíduos de madeira e casca de arroz, entre outros rejeitos do processo industrial. Mas o grande destaque é o bagaço da cana-de-açúcar, cuja participação na matriz energética deve saltar nos próximos anos. No início de 2001, pouco antes do anúncio do racionamento de energia, a potência instalada das usinas de açúcar e álcool chegava a 120 MW. Hoje, esse número já saltou para 1,6 mil MW.

O número ainda é tímido. Pouco menos de 10% do setor tem projetos de bioeletricidade, mas isso tende a mudar em breve. Dados da União da Indústria de Cana de Açúcar (Única) indicam que mais de US$ 10 bilhões devem ser investidos nos próximos seis anos na construção de mais de 70 usinas de açúcar e álcool.

Boa parte dessas novas usinas deve também atuar na produção de bioeletricidade, acrescentando um novo nicho a seus negócios. "O setor pode chegar a 8 mil MW de potência instalada", afirma o assessor de energia da Unica, Onório Kitayama. Ou seja, em cinco anos, o setor pode quintuplicar a sua potência, alcançando perto de 10% da potência instalada do Brasil.

No leilão de fontes alternativas, previsto para ocorrer no próximo mês, foram habilitadas 15 usinas de cogeração a partir da cana-de-açúcar, com potência de 650 MW. "Esse segmento é um dos mais promissores", afirma Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal responsável pelo planejamento do setor elétrico. "A cogeração deve crescer bastante nos próximos anos", diz Tolmasquim.

Razões para essa expansão não faltam. Comercializar excedentes de energia é um negócio atrativo e pode servir de seguro contra a flutuação dos preços do açúcar e do álcool no mercado internacional. Os usineiros, ao venderem a energia, fazem contratos de longo prazo de duração, de 10 a 15 anos. Contratos que também podem funcionar como alavanca financeira para colocar de pé outras obras da usina. "E a energia do bagaço gera créditos de carbono que podem ser comercializados", diz Kitayama. Além disso, os projetos demandam até 18 meses para ficar prontos, e a maioria das usinas está localizada na região Sudeste, maior centro consumidor, o que traria vantagens no custo de transmissão.

Essa energia ganha relevância no momento também pela sua complementaridade com o sistema hídrico. O período de safra da cana, entre abril e novembro, coincide com o período mais seco do ano, ou seja, quando os reservatórios começam a ter sua capacidade reduzida. "Essa complementaridade é outro atrativo muito grande para as usinas", diz Tolmasquim. Mas esses fatos positivos ainda esbarram na falta de conhecimento e gestão de algumas usinas. "Muitos ainda não perceberam esse filão de negócios, muitas usinas, por exemplo, não têm departamento de energia", diz Kitayama.

A Companhia Energética Santa Elisa foi pioneira em comercializar excedentes no mercado, fechando um contrato em 1994. Em 2003, foi feito um novo contrato de dez anos comercializando 30 MW. "Há muitos cenários que apontam para um desequilíbrio entre oferta e demanda, o que posiciona a energia de bagaço de cana em um patamar muito atraente", afirma o diretor Henrique Gomes. A usina tem intenção de participar dos leilões de oferta e demanda previstos pelo governo e de ampliar a sua oferta de excedentes. "Com a ampliação das novas unidades industriais, podem ser gerados mais excedentes", diz o diretor da empresa.

Quem também acompanha de perto esse crescente mercado são as distribuidoras. A CPFL, pioneira na comercialização dessa energia, vê um futuro muito promissor nesse segmento. "Temos no nosso portfólio 20 usinas co-gerando e 24 contratos de compra e venda", diz o diretor de compra e venda da distribuidora, Roberto Wainstok. Isso representa 150 MW médios de potência firme para a empresa.

Com o álcool brasileiro se posicionando como o principal substituto do petróleo, o setor de açúcar e álcool viverá uma revolução. Já se vêem aberturas de capital, investimentos estrangeiros, parcerias. Para aumentar sua inserção, maior competitividade e produtividade serão palavras-chave. "Novas plantas devem ter caldeiras e equipamentos mais eficientes, o que deve aumentar os excedentes a serem comercializados", afirma Wainstok. As possibilidades são tão grandes que a CPFL admite a possibilidade de prospectar negócios no segmento. "Podemos adquirir energia via comercializadora para atender ao mercado livre ou podemos realizar parcerias de investimento", diz Wainstok, sem revelar o que poderiam ser essas parcerias.

Aprovada no fim do ano passado, a Audiência Pública 33 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) possibilita que uma empresa some o consumo de suas diferentes unidades para atingir um mínimo de 0,5 MW de consumo. Com isso, ela pode comprar livremente essa energia de fontes alternativas, como bagaço de cana ou PCHs e não mais ficar obrigada a adquirir do mercado cativo, atendido pelas distribuidoras. Com a regra, bancos, supermercados, shoppings e hotéis poderão ser beneficiados. Essa opção deve também incentivar projetos de cogeração para atender ao mercado livre.