Título: Investidor estrangeiro mostra os músculos
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2007, Caderno Especial, p. F7

A revolução mundial na área de energia colocou o Brasil no centro de um processo de investimentos internacionais bilionários e disputas acirradas pelos melhores negócios. Sem fazer muito alarde, fundos estrangeiros, de olho no biocombustível nacional, batem na porta de empresas brasileiras - basicamente usinas de álcool - oferecendo milhões em troca de parceria ou participação majoritária no negócio. "Não falta apetite, nem dinheiro", resume Luiz Eduardo Costa, sócio-diretor da consultoria Brasilpar, especializada em fusões e aquisições no setor.

"São todos comprometimentos visando o longo prazo. Acompanhamos uma negociação recente com um grupo norueguês, interessado em fechar uma sociedade com parceiros no país, e conseguimos ver o tamanho da força econômica desses grupos que exploram o mercado de etanol", afirma.

O assédio constante dos fundos e veículos de investimento ganhou musculatura neste ano. Há investimentos já anunciados e em fase de expansão no momento. O Brasil Energy, maior fundo para investimentos em etanol no Brasil, com sócios americanos e brasileiros, investirá US$ 2 bilhões de dólares para criar um pólo nacional de produção do combustível. Administrado pelo ex-presidente da Petrobras Henri Phillip Reichstul, o fundo tem recursos de James Wolfenson, ex-presidente do Banco Mundial, Vinod Khosla, fundador da Sun Microsystems e Steve Case, criador da America Online. O plano inicial é atuar em toda a cadeia: do plantio de cana até a exportação do produto. Reichstul se poupa de detalhes: "Cada um está procurando o seu foco nesse novo negócio. Tem muita espuma, muita conversa em meio a essa euforia toda. Tem de fazer o que estamos fazendo: trabalhando, muito".

"Já estamos com seis a sete fundos em operação no total e 10 investidores e a estratégia é tocar projetos greenfield [que começam do zero]", explica ele. No papel, os planos passam pela criação ou participação em 15 usinas no prazo de dois anos.

Hoje, existem no Brasil 189 consultas para construção e ampliação de usinas de etanol, informou a Dedini Indústrias de Base, que detém 50% das vendas de equipamentos para esse setor no país. Pelas contas da empresa, 40% das consultas são de grupos estrangeiros, como fundos de investimentos, investidores isolados e multinacionais. De acordo com a Unica, associação de usinas, 89 novas plantas serão construídas no Brasil até 2012, com desembolsos de US$ 15 bilhões.

Sergio Thompson Flores, CEO do grupo Infinity Bio-Energy, criado por investidores americanos, acredita que esse momento de euforia do mercado, com a entrada de novos investidores no segmento de biocombustível brasileiro, requer cautela. "O grande desafio é definir projetos e traçar expectativas levando em conta o grau de responsabilidade com o investidor, com o acionista lá fora. Estamos trabalhando com o dinheiro dos outros aqui", afirma ele. Formada em março de 2006, a Infinity é dona do fundo de investimentos Evergreen e lançou ações na Bolsa de Londres no ano passado, captando US$ 526 milhões para aplicar no setor de açúcar e álcool no Brasil.

Formada por mais de 50 investidores, o grupo já aplicou US$ 300 milhões em quatro usinas adquiridas nos últimos 12 meses - Usinavi (MS), Alcana (MG), Cridasa (ES) e Disa (ES) - e trabalha na construção de cinco novas unidades, três em Mato Grosso do Sul e duas no Espírito Santo. "Além dos US$ 300 milhões aplicados, ainda serão desembolsados mais US$ 500 milhões nessas cinco novas usinas em desenvolvimento, e estamos prospectando a compra de novas unidades ainda em 2007". A companhia também estuda a possibilidade de partir para abertura de capital até o fim deste ano, para ampliar o volume de recursos disponíveis para novas aplicações.

De olho em outra opção de investimento - voltada ao mercado de capital de risco no país - o banco francês Société Générale criou um fundo de private equity há dois anos no país. Batizado de Bioenergy Development Fund (BDF), neste momento o fundo está analisando as melhores propostas para investir no setor sucroalcooleiro. "Nossa estratégia não é aplicar recursos para, pura e simplesmente, comprar empresas. Queremos profissionalizar a gestão das companhias e atuar como parceiros estratégicos, seja adquirindo a maioria do capital da empresa ou parte relevante", diz Patrick Funaro, gestor do fundo BDF.

Neste momento, Funaro está finalizando uma rodada de "roadshows" com investidores internacionais e deve se preparar para novas reuniões em junho para apresentar o projeto a mais interessados. O fundo pretende investir US$ 1 bilhão no prazo de quatro anos em aquisições de participação de grupos ligados a bioenergia, com a expectativa de sair do investimento - após a obtenção do retorno esperado - em sete anos.

O mercado global de biocombustíveis no mundo - incluindo etanol e biodiesel - alcançou US$ 20,5 bilhões em investimentos em 2006 e a projeção é que atinja US$ 80,9 bilhões em 2016, segundo a empresa de consultoria e investimentos dos EUA, Clean Edge. Desse total aplicado no ano passado, mais de US$ 2,4 bilhões foram investimentos de fundos de capital de risco.

No segmento de biodiesel, investidores estrangeiros têm bancado parte dos investimentos, com apoio de parceiros brasileiros, mas a estatal Petrobras está à frente de diversos projetos também. Há 20 usinas de biodiesel em operação no país e, em maio, o Ministério de Minas e Energia registrava 26 pedidos para a abertura de novas unidades em fase de projeto ou planejamento. Por exemplo, a Agrenco, em sociedade com o grupo japonês Marubeni, pretende produzir biodiesel em suas três usinas no país e passar a faturar, em 2008, US$ 1 bilhão a mais do que fatura hoje (US$ 1,4 bilhão). Em dois anos, suas três usinas - duas em Mato Grosso e uma no Paraná - deverão atingir produção de 380 milhões de litros ao ano de biodiesel, produzido a partir de oleaginosas e gordura animal.

Muito do que será anunciado nos próximos meses é mantido sob sigilo. Grupos americanos, japoneses, britânicos e alemães são a maioria dos interessados no mercado brasileiro. Há algumas semanas, um consórcio alemão formado por banqueiros, cujo nome está sendo mantido sob sigilo, enviou a Goiás o executivo Roland Hartmann, da consultoria de investimentos Merlean. Hartmann começou a selecionar empreendimentos na área de energia renovável com empresários brasileiros. Também sem dar detalhes, a trading Global Foods, dona de parte da Companhia Nacional de Açúcar e Álcool, já disse neste ano que quer trazer novos fundos de investidores para o grupo, atualmente um dos maiores processadores de cana-de-açúcar do país.