Título: Era do biocombustível favorece emergentes
Autor: Tachinardi, Maria Helena
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2007, Caderno Especial, p. F8

A conscientização das pessoas sobre os perigos do aquecimento global é a pressão que faltava para os países darem prioridade aos combustíveis alternativos, que ganham programas específicos ao redor do mundo e colocam no centro do debate a agroenergia.

Cresce em países desenvolvidos e em desenvolvimento a preocupação com problemas ambientais, com a alta dos preços do petróleo e as incertezas sobre o seu fornecimento futuro. A expectativa é que aumente significativamente a demanda por biocombustíveis nos países desenvolvidos, que têm disponibilidade limitada de terras para produzir etanol e biodiesel. Além disso, o custo dessa produção e o seu impacto ambiental também contam para aumentar as vantagens comparativas dos países em desenvolvimento tropicais e subtropicais, que produzem etanol de cana-de-açúcar e biodiesel de óleo de palma (dendê) a um custo menor e com maior eficiência energética.

Entretanto, para muitos produtores da América Latina, África e Ásia não será fácil exportar biocombustíveis para os países ricos por causa das restrições comerciais: subsídios, tarifas e normas técnicas. Um grupo de países, porém, será beneficiado. São os que têm acordos de livre comércio com os EUA e por isso gozam de tarifa zero naquele mercado.

Os ACPs, que integram o grupo África-Caribe-Pacífico, países de menor desenvolvimento relativo e beneficiários do Sistema Geral de Preferências (SGP) da União Européia (UE), também terão ingresso livre para o seu etanol e biodiesel no mercado europeu, constata o estudo "EU and US Policies on Biofuels: Potential Impacts on Developing Countries" publicado pelo German Marshall Fund dos EUA e escrito pelos pesquisadores Marcos Jank, Luiz Fernando do Amaral e André M. Nassar, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE), e por Géraldine Kutas, do Groupe d´Economie Mondiale (GEM) do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po).

Mas, para o Brasil, que não tem acordo de livre comércio com os EUA, a barreira alfandegária no etanol é enorme: uma tarifa ad valorem de 46% ou 2,5% mais US$ 0,14 por litro. Mesmo assim, o Brasil exportou mais de 3 bilhões de litros de etanol aos EUA no ano passado, graças a uma janela de oportunidade, porque os americanos decidiram banir rapidamente o uso do MTBE, um oxigenador de origem fóssil usado para aumentar o poder de octanagem da gasolina, que apresentou riscos de contaminação ambiental. "Pela primeira vez na história conseguimos entrar naquele mercado pagando a tarifa proibitiva. Mas essa oportunidade não vai se repetir neste ano, pois a expansão da oferta americana já derrubou o preço do etanol de milho abaixo dos níveis que viabilizariam nossas exportações", diz Marcos Jank.

A União Européia, o Japão e outros países têm se alinhado aos EUA na manutenção de barreiras que impedem o desenvolvimento global dos biocombustíveis, acrescenta.

Analisando os impactos potenciais das políticas de biocombustíveis nos EUA e na UE sobre países em desenvolvimento, os pesquisadores do Icone e do GEM fazem um alerta: para facilitar as importações que complementarão a produção doméstica e aliviar pressões sobre os preços de matérias-primas de alimentos, os países desenvolvidos deveriam considerar várias opções que garantam maior acesso a seus mercados dos biocombustíveis procedentes de países em desenvolvimento. Entre essas opções constam redução de tarifas e adoção de cotas baseadas no consumo nacional.

No mundo todo, pesados subsídios estão sendo concedidos para aumentar a produção de etanol e biodiesel, e muitos países estão tornando obrigatória mistura de combustíveis verdes na gasolina e no óleo diesel. Segundo o estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) - "A Blueprint for Green Energy in the Americas" -, uma análise estratégica das oportunidades para o Brasil e o Hemisfério, em 2010, estima-se que US$ 100 bilhões serão investidos em energia limpa, em relação a US$ 38 bilhões em 2005. O governo chinês anunciou recentemente que investirá US$ 187 bilhões em energia renovável até 2020.

Os biocombustíveis são um elemento importante nesta mudança de paradigma. Uma projeção conservadora prevê que será de 5% a participação potencial dos biocombustíveis no consumo de energia na área de transportes, em 2020, em relação a 1%, atualmente. Para suprir essa demanda será necessário aumentar em cinco vezes a produção mundial de biocombustíveis, com investimentos de US$ 200 bilhões somente em expansão da capacidade, nos próximos 14 anos. No mundo todo, já foram anunciados investimentos em novos projetos de US$ 7 bilhões em 2008.

Quando se fala no futuro dos biocombustíveis, a data que sobressaía nos EUA, até janeiro deste ano, era 2012. De acordo com legislação anunciada em agosto de 2005, o presidente George W. Bush estabelecia um consumo de 28,4 bilhões de litros de combustíveis renováveis em 2012, o que representava 5% do consumo de gasolina. Mas, no seu discurso sobre o Estado da União, no começo deste ano, Bush elevou a meta de consumo para 132,5 bilhões de litros em 2017 para substituir 15% do uso de gasolina. Esse anúncio foi o bastante para elevar o preço do milho, principal matéria-prima do etanol americano, a US$ 154 a tonelada em janeiro, um recorde histórico.

A capacidade de produção projetada nos EUA (45,2 bilhões de litros em 2009) é mais do que suficiente para atender ao objetivo estabelecido pela legislação americana, mas é quase certo que o consumo será mais elevado do que a meta, destaca o estudo do German Marshall Fund. Porém, para evitar mais pressão sobre os preços do milho - 20% da produção já é usada para fazer etanol - e dos subprodutos, os americanos não deverão fazer novos investimentos na indústria de etanol a médio prazo, isto é, até 2012. Os EUA contarão com o desenvolvimento da tecnologia do etanol de celulose, que deverá estar no mercado dentro de uns dez anos, e com importações, principalmente de países beneficiados com tarifa zero.

Na UE, em fevereiro, o governo decidiu elevar para 10% a mistura de etanol e biodiesel aos combustíveis fósseis até 2020, mas essa medida não é compulsória. Os países-membros adotam seus próprios programas e não há harmonização de políticas para biocombustíveis. Na UE, o biodiesel é mais usado que o etanol e responde por mais de 80% dos biocombustíveis produzidos no bloco. Os maiores produtores são Alemanha, França e Itália, e a principal matéria-prima é o óleo de colza (canola).

O consumo de biodiesel deve atingir 14,4 bilhões de litros em 2012 no continente. Supondo-se que ele será produzido com 85% de óleo de colza e 15% com óleo de girassol, a UE deverá usar 84% de sua área destinada à produção de oleaginosas projetada pela Comissão Européia para 2012. Isso forçará os europeus a importarem 86% de óleos vegetais necessários para o consumo humano em relação a 50% em 2006. Indonésia e Malásia são atualmente os principais fornecedores de óleo de palma.

Quarto maior produtor mundial de etanol, a UE se vale de várias matérias-primas para fabricá-lo - trigo, milho, cevada, centeio, beterraba e vinho. Por essa razão, o etanol não afeta a disponibilidade de terras para a agricultura nem os preços de commodities. O consumo de etanol na UE deverá ser de 9,2 bilhões de litros em 2012 e não se prevê a necessidade de importação para cumprir essa meta.

No Japão, o governo permite a adição de 3% de etanol à gasolina e estuda a possibilidade de tornar a mistura compulsória, mas se preocupa com a disponibilidade de oferta externa, já que o país não produz etanol.