Título: A incidência do ISS sobre o franchising
Autor: Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Gabriel Hernan Facal V
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2005, Legislação &, p. E1

Grandes e inflamados debates sempre rodearam as discussões acerca da tributação dos contratos de franquia. A Lei Complementar (LC) nº 116, de 2003, modificou as normas tributárias pertinentes ao Imposto Sobre Serviços (ISS), incluindo de forma taxativa o franchising no item 17.08 da lista de serviços tributáveis pelo imposto municipal e devolvendo à voga jurídica as questões já debatidas na vigência do Decreto-Lei nº 406/68. A Lei nº 8.955/94, que regula o franchising no Brasil, o define como um negócio jurídico instituído por um contrato de natureza complexa, no qual se verificam diversos elementos de outras figuras jurídicas. Ao tratar do conceito de franchising, a legislação fixa que se trata de um sistema desenvolvido visando a cessão do direito de uso de marca ou patente, de propriedade de um determinado franqueador ao franqueado, juntamente com o direito de distribuição exclusiva, ou semi-exclusiva, de produtos ou serviços, facultando-se, ainda, o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, sempre tendo como contraprestação do franqueado ao franqueador uma remuneração direta ou indireta. Ressalte-se que, conforme a disposição legal, não é juridicamente possível a existência de vínculo empregatício na relação mantida entre franqueador e franqueado. Quanto aos sujeitos, deparamo-nos, de um lado, com a figura do franqueador, via de regra uma pessoa jurídica que detém uma determinada marca, idealizando, formatando e concedendo a franquia empresarial. E, do outro lado, temos o franqueado, que pode ser uma pessoa física ou jurídica que adere à rede de franquia empresarial. Portanto, sob a ótica das partes envolvidas, o contrato de franquia pode ser definido como aquele no qual o franqueado disponibiliza trabalho e recursos próprios para operar um negócio com a marca da qual o franqueador é detentor e de acordo com todos os padrões pré-estabelecidos e supervisionados por este. Ao analisar a questão da inclusão do franchising na lista de serviços tributáveis pelo ISS, no plano jurídico antecedente à norma em comento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que os municípios não detinham competência para tributar, por meio do ISS, os contratos ou relações jurídicas decorrentes do franchising, tomando como base duas premissas: a) a questão formal, decorrente da inexistência expressa autorização legal para a tributação; e b) a questão material, decorrente da natureza complexa dos contratos de franquia que inviabiliza a tributação pelo ISS por não se tratar de contrato de prestação de serviços. Face aos termos da nova legislação complementar, a questão formal parece superada, passando o franchising a integrar a previsão legal nos termos do artigo 156, inciso II da Constituição Federal. Mas não se verifica em relação às questões materiais, devendo ser verificado se a natureza específica do contrato de franquia se adequa ao conceito de prestação de serviços, previsto na Constituição Federal. A polêmica, portanto, reside na análise dos limites de abrangência do conceito constitucional de prestação de serviços. De um lado, os contribuintes buscam socorro no Poder Judiciário, sustentando que o contrato de franquia não se enquadra dentro do gênero serviços, enquanto o poder público, por sua vez, defende a juridicidade da tributação, sob o argumento de que o franchising é uma espécie do gênero serviços.

A franquia diferencia-se de mera prestação de serviço porque o contrato não constitui uma simples obrigação de fazer

O conceito constitucional de serviço tributável, conforme a melhor doutrina, somente abrange: a) as obrigações de fazer; b) os serviços submetidos ao regime de direito privado, não incluindo, portanto, o serviço público; c) os serviços que revelam conteúdo econômico, realizados em caráter negocial; e d) os serviços prestados sem uma relação de subordinação. O franchising diferencia-se de mera prestação de serviços porque o contrato de franquia não constitui uma simples obrigação de fazer, mas sim uma série de obrigações recíprocas de naturezas variadas e diversas, de tal sorte que a franquia empresarial não se subsume ao conceito constitucional de prestação de serviços. Diante de tais considerações, nota-se que, ao pretender tributar a atividade de franchising, o ente público municipal extrapola sua esfera constitucional de competência, passando a exigir um tributo em função de relações jurídicas alheias ao raio de abrangência de sua capacidade tributária. É inconstitucional, portanto, a tributação pretendida pela Lei Complementar nº 116/03 e pelos respectivos diplomas legais municipais decorrentes dela. Cumpre-nos lembrar que é vedado ao legislador infra-constitucional - de acordo com o estabelecido pelo artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN) - alterar os conceitos de direito privado utilizados pela Constituição Federal para limitar competências tributárias. Desta feita, a tributação do franchising pelo ISS se afigura eivada de vício de ilegalidade. Conclui-se, portanto, que a Lei Complementar nº 116 não conseguiu superar a questão material relativa à natureza jurídica do contrato de franquia, exaustivamente definida e delimitada pelas disposições do artigo 2º da Lei nº 8.955/94. Assim devendo ser mantido o entendimento do STJ que, ao analisar a matéria sob a égide do Decreto-Lei nº 406/68, julgou inconstitucional e ilegal a referida tributação.