Título: Em Israel, tour pelas forças de segurança é atração para turista
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2007, Internacional, p. A8

Em meio à escalada da violência entre Israel e os palestinos, numa aparente banalização da tragédia na região, uma organização israelense promete levar turistas às zonas de conflito.

Por menos de US$ 2 mil, pode-se sentar diante de um agente árabe que atua como espião para o governo de Israel e ouvir histórias sobre seu trabalho diário. Ou até se reunir com autoridades de uma unidade da Força Aérea Israelense que conduz os chamados "ataques seletivos" contra militantes palestinos. O preço ainda inclui, entre outros pontos, acesso a sessões de julgamento contra membros do Hamas e tours a um posto de controle do Exército na fronteira da Cisjordânia por onde radicais acusados de terrorismo costumam infiltrar-se em direção ao território israelense.

Essa bizarra mistura de turismo de aventura e propaganda ideológica militar - criticada pela Autoridade Palestina - faz sucesso em Israel e tem atraído ano após ano viajantes dos EUA, Canadá, Austrália, Europa e da América Latina.

O programa é conduzido por uma instituição privada baseada em Jerusalém com o apoio do Exército e de agências de segurança. A instituição, chamada Israel Law Center (ou Shurat HaDin), se apresenta como uma organização não-governamental de advogados que procura "combater o terrorismo palestino e defender os direitos das vítimas por meio dos tribunais" e "influenciar políticas de governo".

A imersão no aparato de segurança tem um nome sugestivo: "The Ultimate Mission to Israel" (algo como como "suprema missão em Israel"). Anúncios do programa vêm sendo veiculados há semanas no site do jornal israelense "Haaretz" - um dos mais liberais do país. A próxima viagem está marcada para ocorrer entre os dias 11 e 18 de junho. Até o fim da semana passada, 59 das 60 vagas haviam sido preenchidas.

A diretora do Israel Law Center, Nitsana Darshan-Leitner, disse por telefone ao Valor que o grupo não é ligado ao governo e não tem filiação partidária. Mas que tem acesso às agências de segurança porque "o Estado de Israel gosta do trabalho judicial que fazemos". Segundo ela, o grupo tem tido sucesso em "evitar transferências bancárias internacionais para entidades ligadas ao Hamas e em barrar serviços financeiros para pessoas ou instituições que apóiam o terror".

Contando com a aparente simpatia das autoridades, a instituição oferece aos viajantes horas intensas. No programa de junho, após um primeiro dia leve, os turistas são levados ao Centro de Defesa de Israel e, segundo o programa, ouvem uma palestra de "um ex-comandante do Shin Bet para a regiões da Judéia e Samaria" [termos que os nacionalistas israelenses usam para a Cisjordânia]. Logo depois têm uma conversa com "agentes secretos palestinos que trabalham os serviços de segurança israelenses para se infiltrar na Autoridade Palestina". Na mesma manhã, os visitantes ainda assistem a uma palestra de um ex-chefe da unidade de interrogatórios do Shin Bet.

No dia seguinte, é a vez de uma "alta autoridade do Mossad", conforme promete o programa, falar sobre o rastreamento dos recursos destinados a "organizações palestinas terroristas". Em seguida, um dos pontos altos da viagem: os viajantes são levados à uma corte da Justiça para acompanhar o julgamento de integrantes do Hamas. Em seu inglês com sotaque e sua voz jovial, Nitsana define esses julgamentos como um dos "momentos incríveis da viagem" e que mais atraem a atenção dos visitantes.

O público das "missões" é composto majoritariamente por judeus, mas há, segundo a diretora do grupo, muitos cristãos e até mesmo muçulmanos interessados em esquadrinhar por dentro o conflito israelo-palestino - pela ótica de um dos lados. Há muitos advogados, médicos e outros profissionais liberais. Segundo Nitsana, muitos dos viajantes vêm dos EUA, Canadá, Austrália, África do Sul, Europa e também do México. Ela se lembra de um argentino, mas de nenhum brasileiro, nas "missões". A instituição faz certas restrições: pessoas com um perfil hostil a Israel são vetadas.

O Israel Law Center - que tem uma queda pelas idéias e pela terminologia dos linhas-duras israelenses - oferece nos dias que seguem um tour a um posto de controle israelense da cidade Kalkilia, na Cisjordânia - ponto descrito como uma das principais rotas de acesso de "terroristas palestinos" a Israel. Noutro tour, os viajantes vão de carro até a fronteira com o Líbano e ouvem, segundo o programa, um exposição do comandante da fronteira do norte sobre a "ameaça da organização terrorista Hezbollah no sul do Líbano". Ano passado, Israel entrou em guerra contra o Hezbollah em território libanês, conflito que abalou a imagem do premiê israelense, Ehud Olmert, acusado de ter dirigido mal a ação.

Da programação ainda consta uma exibição de um grupo de soldados de elite sobre os "métodos de vigilância, prisões e auto-defesa preventiva contra terroristas e cidades árabes". E um encontro com um general que fala sobre a política de "assassinatos seletivos", um eufemismo para ataques aéreos contra militantes palestinos.

Nos oito dias de viagem, os visitantes cruzam cidades israelenses, vilarejos palestinos, Golan, pela fronteira com o Líbano e com Gaza. O programa, que inclui, paradas em restaurantes elegantes, estadas em hotéis caros e passeios em jipes militares, custa US$ 1.895, sem passagem área. Os participantes devem fazer doações de US$ 500 a US$ 5 mil para ajudar a custear processos contra grupos palestinos movidos em cortes israelenses, americanas e européias em nome das famílias das vítimas de ataques suicidas e de disparos.

Nitsana diz que um dos objetivos da Shurat HaDin é levantar recursos, como faz o Hamas em diversos países. O outro é difundir os pontos de vista israelense quanto ao conflito com os palestinos. No site www.israellawcenter.org, a viagem é descrita como "uma experiência única na vida".