Título: Ludmilla e uma família atrás de uma vida melhor
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 26/12/2010, Política, p. 2

DE LULA PARA DILMA No dia em que uma mulher recebia mais de 55 milhões de votos e se tornava a primeira presidente da República, algo curioso ocorria nas maternidades dos grandes hospitais públicos do Distrito Federal. O último dia de outubro foi de muitos meninos, muito mais do que de meninas. O cartório do Hospital Regional da Asa Norte registrou dois nascimentos: dois meninos. Na Regional de Saúde do Paranoá, nenhuma menina em 31 de outubro. Os homens foram maioria nos hospitais regionais do Gama e de Ceilândia. Nesse último, 12 mães registraram seus filhos no cartório da unidade, sete do sexo masculino e cinco do sexo feminino. A mãe de uma menina ficou contrariada. ¿Eu queria menino.¿

Ludmilla da Silva Sousa nasceu, num parto normal, com 10 dias de atraso. O nascimento estava programado para o dia 21, mas somente na madrugada de 31 de outubro as dores incomodaram Maria da Conceição da Silva, de 21 anos. Não veio um menino, contrariando o desejo de Conceição e o estranho fenômeno da predominância masculina nas maternidades naquele dia. Ludmilla nasceu às 8h29, poucos minutos após a abertura das urnas à votação que garantiu a eleição de Dilma Rousseff (PT) para a Presidência.

Homenagem Uma irmã de Conceição teve a ideia: ¿Coloca o nome no bebê de Dilma¿. A mãe não gostou nem um pouco. Ficou Ludmilla, nome inspirado numa personagem de Bela, a Feia, novela transmitida pela TV Record entre agosto de 2009 e junho deste ano. Ludmilla era uma adolescente mimada na história, mas cheia de personalidade. O marido de Conceição, Raimundo Gomes de Sousa Filho, 48, gostava da novela e da personagem. Preferiu se inspirar na ficção em vez de atender ao apelo da cunhada. Conceição e Raimundo votaram em Dilma, mais pela influência do presidente Lula do que por admiração à presidente eleita. ¿Eu votei na Dilma no primeiro turno, apesar de não querer¿, diz Conceição. No dia do segundo turno, a eleitora estava num hospital.

Ludmilla mora há 56 dias com a mãe, o pai e a irmã Emilly Luisa, 5, num pequeno barracão em Ceilândia, nos fundos da casa da primeira patroa de Conceição. A maranhense deixou a cidade de Timon (MA), já na divisa com o Piauí, encostada na capital Teresina, casada com Raimundo e disposta ao trabalho na cidade que só via pela televisão. ¿Eu tinha muita vontade de conhecer Brasília. Ficava vendo pela TV e pensando: `Quero conhecer pessoalmente¿.¿ Conceição, Raimundo e Emilly chegaram em Ceilândia em abril de 2008. Em agosto, ela conseguiu o primeiro emprego com carteira assinada. Trabalhava na casa da frente, cuidava de duas crianças, lavava, passava e cozinhava.

Um salário mínimo na carteira foi uma das principais conquistas de Conceição. E ela conseguiu avançar um pouco mais. Mudou de patroa ¿ a atual não tem filhos para cuidar, concedeu licença-maternidade para os cuidados de Ludmilla e já disse que aceita a empregada levar a filha para o trabalho. Em Timon, Conceição era babá. Ganhava R$ 60 por mês para cuidar de uma criança. Não quer nem saber de voltar a viver no Maranhão. ¿Lá era péssimo, a gente passava muita dificuldade. Não conseguia serviço e, quando conseguia, ganhava muito pouco.¿

Em menos de três anos, Conceição inverteu uma lógica: passou de mão de obra barata no cuidado de crianças para a condição de contratante dos serviços precários de uma babá. Quando deixa sua casa para cuidar da casa dos outros, a jovem mãe paga uma mulher para cuidar de Emilly. Dos pouco mais de R$ 500 recebidos por seu trabalho, R$ 130 são reservados para a babá. Com a licença-maternidade, Conceição tem tempo para cuidar de Emilly e Ludmilla e dispensou a ajuda. Em dois meses, não terá tempo suficiente para as duas. Nem vaga na creche em Ceilândia.

¿Tem fila de espera na creche¿, diz Conceição, desiludida com as promessas eleitorais. ¿Candidato quando ganha, esquece.¿ Creche é a primeira cobrança, ou simplesmente uma expectativa, em relação ao governo Dilma. Ainda candidata, a petista prometeu construir 6 mil creches em quatro anos. Com duas filhas pequenas, e empregada de carteira assinada, Conceição depende da materialização da promessa. Ludmilla também. ¿Eu espero ter creche para poder deixá-la quando for trabalhar.¿

A irmã de Conceição ¿ a mesma que sugeriu o nome Dilma para a filha caçula ¿ voltou para Timon com o marido e os filhos pequenos depois de uma temporada de seis meses em Ceilândia. O casal conseguiu emprego na cidade, mas ficou sem vaga na creche. Não havia com quem deixar os filhos. Ter emprego não é tudo, e a sorte não foi a mesma de Conceição. Hoje, ela é a única dos cinco irmãos que conseguiu melhorar de vida ao deixar o Maranhão.

Bolsa Família Cuidar de Ludmilla custa caro. É um bebê quieto, que pouco chora e que parece não fazer jus à personagem de novela que inspirou seu nome. Mas ¿dá muito trabalho¿, como diz Conceição. Ela e o marido, que faz bicos como ajudante de mudança e recebe R$ 50 por dia de trabalho, se esforçam para fechar as contas ao fim de cada mês. Ficou mais difícil desde 31 de outubro. ¿Falta dinheiro para tudo.¿

O aluguel do barracão, que tem dois quartos e um cômodo usado como sala e cozinha, consome R$ 260 do orçamento. Água, energia, roupa e comida levam o restante da renda. Assim que chegou ao DF, em 2008, Conceição se inscreveu para receber o Bolsa Família. ¿Falaram que eu tinha de aguardar.¿ Aguarda até hoje.

A presidente eleita, Dilma, prometeu ampliar o Bolsa Família, corrigir distorções, manter o programa como norte de uma política de distribuição de renda e eliminação da miséria. Conceição deixou a miséria em Timon, depois que conheceu o marido ¿ na casa da mãe dele, onde trabalhava como empregada doméstica ¿ e chegou ao DF. A vida já começou mais fácil para Ludmilla, se comparada ao percurso de Emilly, sua irmã, retirante como a mãe.

O bebê calmo, pouco chorão, segue no colo da mãe no caminho inverso. Está, neste momento, dentro de um ônibus, rumo a Timon, uma viagem iniciada na madrugada de ontem e com previsão de duração de dois dias e meio. É a primeira vez, em quase três anos, que Conceição, Raimundo e Emilly retornam ao Maranhão. Ludmilla vai junto, mas desta vez é diferente: é uma viagem de turismo. A família voltará em 20 dias. Já será 2011. ¿Quando eu olho para frente, para o futuro da minha filha, eu vejo uma vida melhor¿, diz Conceição. (VS)

Dilma e Weslian Os petistas tomaram um susto em 3 de outubro. Davam como certa a eleição de Dilma Rousseff no primeiro turno, na esteira da popularidade do presidente Lula, mas foram surpreendidos com uma votação expressiva dos adversários, José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV). Dilma obteve 47,6 milhões de votos, 46,91% dos votos válidos. O índice foi inferior ao apontado por todas as pesquisas de intenção de voto, que já mostravam uma tendência de queda. Maria da Conceição, a mãe de Ludmilla, votou em Dilma no dia 3. Para o Governo do Distrito Federal, o voto foi para a mulher de Joaquim Roriz, Weslian Roriz (PSC). As duas mulheres foram para o segundo turno. Dilma sagrou-se presidente da República. Weslian ficou pelo caminho.