Título: No campo, o retrato é de avanços tímidos
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 26/12/2010, Política, p. 2

DE LULA PARA DILMA Índices de produtividade, assentamento de famílias e redução dos latifúndios pouco avançaram nos dois mandatos de Lula. Violência no campo caiu, mas movimentos sociais se mostram insatisfeitos com o modelo implantado nos últimos anos

Antes de chegar ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva criticava os donos do poder por incapacidade de distribuir propriedades de terra, pressionados pelos ruralistas. Oito anos depois, o retrato do campo brasileiro é de estagnação ou de avanços tímidos, com a política agrária, em muitos aspectos, voltada para o agronegócio, justamente o alvo das antigas críticas do petista. Para se ter uma ideia da relevância estratégica que o tema recebeu, nas 310 páginas do balanço dos oito anos produzidas pelo Executivo, só seis foram dedicadas ao setor.

O presidente não conseguiu atualizar os índices de produtividade nem assentar o número de famílias que o governo estabeleceu como meta em janeiro de 2003. Não reduziu, ainda, o número de latifúndios espalhados no país. Paradoxalmente, reduziu o conflito de terras e o interesse de famílias sem terra em busca de propriedades rurais, mas deixa o governo sob críticas dos principais movimentos sociais ¿MST, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Via Campesina. Mesmo desgostosos, apoiaram a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência.

Segundo dados da CPT, os conflitos agrários diminuíram de 1.335, em 2003, para 854, no ano passado. O pico ocorreu em 2004 (1.389). O número de assassinatos caiu de 71, no primeiro ano do governo Lula, para 24, em 2009. Os dados são acompanhados de uma redução no número de invasões de terras. Em 2004, as ações no campo mobilizaram 76 mil famílias sem terra. A queda no período foi progressiva: 46 mil, em 2006; 37 mil famílias, em 2008; e pouco mais de 25 mil, em 2009.

A redução do conflito agrário, segundo especialistas, deve-se ao aumento no acesso ao programa Bolsa Família. A CPT, em seus balanços anuais, critica o governo por não ter tido uma atuação diferente dos antecessores na luta contra o latifúndio. Outro dado que comprova, segundo a comissão, a redução do interesse por terras, é o número de novas famílias agregadas a acampamentos: em 2003, eram 59 mil; caiu para 10 mil, em 2006, chegando a 2.755 famílias, em 2008.

No livro Os Anos Lula, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor aposentado da USP, diz que a maior parte dos acampados de 2003 continua debaixo das lonas pretas, mais de 100 mil famílias. ¿O princípio que norteia a reforma agrária do governo é não entrar em conflito com o agronegócio e fazê-la apenas em áreas que possam contribuir com o agronegócio¿, escreveu.

Contestação O governo diz que assentou 586 mil famílias de 2003 até outubro de 2010. Os movimentos sociais contestam o número e usam um dado de 2007. Informações apresentadas pelo professor Ariovaldo para embasar sua tese mostram que, nos quatro primeiros anos do governo Lula foram emitidas, na verdade, 448.954 relações de beneficiários pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Desse contingente, 163 mil foram assentados, 113 mil tiveram regularizadas a situação fundiária, 171 mil foram reordenados e 2 mil famílias reordenadas por terem sido atingidas por barragens.

O índice de produtividade, parâmetro usado pelo Incra para avaliar se uma terra pode entrar na lista da reforma agrária, também pouco avançou. A avaliação é de que se ele tivesse atualizado o parâmetro, que data de 1975, teria liberado 400 mil propriedades para atender demandas de famílias sem terra. Isso representa 10% do total do país. Em número de latifúndios, o Brasil só fica atrás do país africano Serra Leoa. O argumento da CPT para atualizar o índice é que em 1975 eram produzidos 10,8 quilos de carne bovina por hectare. A produção hoje está em 38,6 quilos. A produção de carne de aves saiu de 372,7 mil toneladas em 1975 para 10,2 milhões de toneladas, em 2008.

Conquistas A principal conquista apontada pelo governo no meio rural é a redução do número de pessoas pobres. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 4 milhões saíram da pobreza. Outro êxito levantado é a regularização de terras na Amazônia legal através da Medida Provisória 458. A MP, que virou lei, permite que posseiros formalizem o direito a essas propriedades. Dessa forma, na avaliação do governo, é possível monitorar desmatamento e punir quem cometer crimes ambientais.

A Amazônia Legal é hoje a principal área de conflito agrário do Brasil, sobretudo no Pará. Em 2009, a região ¿que congrega os estados do Norte mais Mato Grosso e Maranhão¿ foi responsável por 48% dos conflitos do país. O Pará concentra 32% do total de assassinatos relacionados com a disputa por terra. No total, a Amazônia Legal concentra 68% das mortes no campo de todo o país.

Outro dado celebrado pelo governo é o aumento na quantidade de bens duráveis nos domicílios rurais. Entre 2004 e 2009, o número de geladeiras aumentou de 4,9 milhões para 6,8 milhões nas residências. Televisores cresceram de 5,5 milhões para 7,4 milhões. E telefone, de 2 milhões, para 4,8 milhões, sempre no mesmo período de comparação. Nesse ponto, segundo informações do governo, houve influência do projeto Luz para Todos, que levou energia elétrica a setores das zonas rurais.

Violência no campo (2000-2009) Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Conflito - 659 - 752 - 777 - 761 615 - 459 - 528

Invasã - 391 - 496 - 437 - 384 - 364 - 252 - 290

Acampamentos - 285 - 150 - 90 - 67 - 48 40 - 36

Assassinatos - 71 37 - 38 - 35 - 25 -27 - 24

Fonte: Comissão Pastoral da Terra