Título: Blair não era nenhum conservador
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2007, Opinião, p. A10

A crença generalizada rezava que Tony Blair era simplesmente um conservador nas roupas do Novo Partido Trabalhista. A crença generalizada está errada. Um número grande demais de pessoas já não distingue a diferença entre um conservador, que Blair não era, e um populista, que ele era. A confusão é também agourenta: muitos comentaristas britânicos não conseguem entender o papel das instituições.

Blair é, certamente, um populista britânico. Portanto, está protegido por séculos de crença institucionalmente enraizada. Mas ele nunca entendeu o que as instituições fazem ou como usá-las. Esta era a origem de grande parte dos seus fracassos. Seu sucessor será melhor? Temo que não. A perspectiva de Gordon Brown é diferente, não mais sábia. Um dos motivos que explica por que Blair é considerado conservador é que um número grande demais de analistas continua preso em uma distinção simplista entre a "esquerda progressista" e "a direita reacionária". Outras distinções, contudo, são igualmente importantes: entre radicais e conservadores, liberais e autoritários, ou republicanos e populistas, por exemplo.

Os populistas podem vir da direita ou da esquerda do espectro político. Pode ser difícil distinguir a diferença entre os dois quando aparecem em disfarce populista. Mas o jeito populista é aquele no qual se forma uma conexão direta entre um líder carismático e o povo, por sobre as cabeças das instituições intermediárias.

Um populista influencia o eleitorado fazendo uso de emoções básicas. Um elemento populista está presente na maioria dos grandes lideres democráticos. Mas o populismo também é perigoso: representa um passo na direção do governo arbitrário. Se quiser um bom exemplo contemporâneo, observe Hugo Chávez na Venezuela.

O populismo de Blair extraiu elementos da esquerda e da direita: a ênfase da primeira em comportamento social e na segurança contra o crime; a ênfase do último em serviços públicos gratuitos e na segurança contra a pobreza. Mas o seu estilo - envolvimento direto com o povo, manipulação da mídia e indiferença às instituições estabelecidas - era populismo. Era uma forma civilizada e calculada de populismo, mas, seja como for, era populismo.

A característica dominante do populismo é a aversão às limitações institucionais. Isso explica por que o populista é o oposto do conservador. Os conservadores apreciam muito as instituições: elas encarnam a continuidade, asseguram previsibilidade e preservam a sabedoria. Aqueles que considero "republicanos" também têm as instituições em alta estima, mas isso porque querem restringir a liberdade. Os patriarcas fundadores americanos temiam o populismo porque reconheciam que ele era hostil à liberdade pessoal. Eles criaram uma república constitucional, não uma democracia popular. Os países ao sul não conseguiram lograr o mesmo sucesso.

-------------------------------------------------------------------------------- Gordon Brown tornou-se o principal formulador de política e agente de mudança, em vez de ser o departamento que gosta de dizer "não" --------------------------------------------------------------------------------

Alguns dos mais interessantes avanços recentes em Ciências Sociais dão destaque ao papel das instituições e organizações permanentes na promoção da cooperação em larga escala entre estranhos, o que nós chamamos de "civilização". Instituições conferem às pessoas a segurança e a previsibilidade das quais necessitam para poderem fazer planos. Friedrich Hayek, um liberal clássico, acrescentaria que ninguém pode projetar as instituições de uma sociedade a partir de zero. Esta é a "arrogância fatal". As instituições evoluem. Este é um ponto com o qual conservadores e liberais inteligentes deveriam concordar.

Um governo de boa qualidade, portanto, é um governo de leis - não de homens - e de procedimentos sistemáticos - não de caprichos. Ele usa instituições, altera instituições e, quando necessário, cria novas instituições. A outorga de independência ao Banco [Central] da Inglaterra representou um exemplo soberbo: modificou a estrutura e a função de uma boa instituição existente, criando, assim, uma política melhor, mais coerente e mais previsível.

No governo Blair, no entanto, esta era mais a exceção que a regra. Veja as montanhas de iniciativas mal planejadas, a insana gestão de notícias, as desordenadas reformas constitucionais, a frenética propensão para legislar, a hostilidade a restrições jurídicas, a indiferença em relação ao passado e a preferência por cortesãos a autoridades permanentes. Conservador? Dificilmente. Sensato? Não.

Será Brown diferente? Sim. Mas ele pode não ser diferente na forma mais favorável. Brown não é um populista, mas um social-democrata. Uma característica predominante dos social-democratas é a sua sustentação em organizações hierárquicas para executar metas específicas.

Sob Brown, o Tesouro esteve no topo daquela hierarquia. Ele se tornou o principal formulador de política e agente de mudança, em vez de ser o departamento que gosta de dizer "não".

Esta mudança eliminou uma das restrições constitucionais implícitas no indevidamente centralizado sistema britânico de governo. O papel do Tesouro era destruir as idéias insensatas vindas de ministérios gastadores. Agora seu papel é o de disseminar as suas próprias idéias - e algumas delas são realmente insensatas - por todos os ministérios. Com Brown em Downing Street nº 10, o último empecilho no local que gerou a tensão entre ele e Blair terá sumido. As implicações são perturbadoras.

Precisamos aprender com o que aconteceu sob Blair. Um governo de boa qualidade é institucionalizado e sistemático, mas também descentralizado. Não é populista e caótico. Isto é algo que verdadeiros conservadores e liberais sábios deveriam entender. Blair jamais o fez. Brown entende? Duvido.