Título: A proposta que cria a transação tributária e a redução dos litígios
Autor: Peroba, Luiz Roberto e Shayo, Lisa
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Este texto tem por objetivo trazer alguns esclarecimentos sobre o projeto de lei que visa introduzir soluções alternativas para as controvérsias tributárias ao ordenamento jurídico brasileiro. Muitas são as dúvidas dos contribuintes acerca de uma efetiva melhora advinda de um projeto de iniciativa do governo devido à histórica relação de desconfiança do contribuinte brasileiro com o fisco.

O projeto, que deverá ser levado em breve ao Congresso Nacional, propõe a criação de nove formas de negociação de débitos tributários com o fisco, baseado no diálogo e em concessões mútuas. Em resumo, a proposta prevê: (1) a transação em processo administrativo ou judicial, que permite a conciliação em âmbito litigioso; (2) a transação judicial no caso de insolvência fiscal, que trata do tema quando da insolvência civil ou falência do contribuinte; (3) a transação por recuperação tributária, com a indicação de todos os débitos vencidos e respectivas condições de pagamento; (4) a transação com arbitragem, que permite a utilização de árbitros para dirimir matéria de fato ou que envolva conhecimentos técnicos especializados; (5) a transação penal tributária, que permite a conversão de penas em serviço comunitário; (6) a transação por adesão, contemplando a possibilidade de transações nos mesmos termos para casos semelhantes; (7) a transação preventiva, ou seja, a possibilidade de transacionar preventivamente nos casos de potencial litigiosidade; (8) o ajustamento de conduta tributária, que permite ao contribuinte se adequar ao entendimento do fisco ainda na fase administrativa, sem a aplicação de penalidades punitivas; e a (9) a interpelação preventiva antielisiva, sendo esta uma forma de consulta prévia ao fisco para implementação de planejamentos tributários.

Vale destacar, por oportuno, que o referido projeto tem sido confundido com o projeto de alteração da Lei de Execução Fiscal - a Lei nº 6.830, de 1980 - pelo fato de ambos terem sido noticiados concomitantemente pelo governo federal. Uma das críticas atribuídas ao projeto de alteração da execução fiscal, entre outras, está relacionada à criação da penhora administrativa, com a conseqüente limitação de acesso do contribuinte ao Poder Judiciário. Entretanto, é necessário esclarecer que os projetos são independentes e distintos.

Por meio do projeto de lei de transação, que pretende criar uma maior comunicação entre o fisco e os contribuintes, o governo tem por objetivo a diminuição de litígios tributários, permitindo uma maior satisfação de seus créditos. Claro que, para evitar novos litígios, faz-se necessária uma reforma do atual sistema tributário, que, devido à sua complexidade, acaba por gerar inúmeras incertezas.

-------------------------------------------------------------------------------- A implementação imediata das formas de transação apenas saturaria ainda mais a administração pública --------------------------------------------------------------------------------

Entretanto, a iniciativa do Poder Executivo, se devidamente implementada, poderá trazer benefícios na solução dos conflitos existentes, que consomem de maneira descontrolada a estrutura governamental. Atualmente, há um número substancialmente inferior de procuradores àquele que seria necessário para a cobrança dos débitos tributários inscritos em dívida ativa. Sistemas de mediação similares aos propostos existem em vários países da Europa, como na Itália, citada como exemplo pelo próprio governo, onde sua implementação gerou uma significante diminuição no número de litígios, proporcionando maior capacidade de cobrança para o fisco.

O projeto é ambicioso e, como tal, apresenta muitas inovações, que podem mudar radicalmente a mentalidade das autoridades fiscais e dos contribuintes. Neste sentido, entendemos que, em um primeiro momento, o projeto deveria visar à introdução paulatina de alguns dos mecanismos de transação tributária em nosso sistema jurídico. A se pautar pela lentidão do atual Poder Executivo, refletido pela demora em soluções de consultas e providências administrativas, resta claro que a implementação imediata das nove formas de transação apenas saturaria ainda mais a já carregada administração pública.

Outros pontos do projeto carecem de esclarecimento, a exemplo do tratamento que será dado aos depósitos suspensivos da exigibilidade do crédito tributário no procedimento de transação. O texto menciona que o crédito "será extinto até o limite dos depósitos convertidos em renda em favor da Fazenda pública". Isso leva ao entendimento de que o contribuinte de boa-fé que buscou o Poder Judiciário e optou por suspender a exigibilidade do seu débito, não poderá - ao contrário daquele que simplesmente deixou de pagar o tributo - gozar dos benefícios da transação, uma vez que o seu depósito será convertido integralmente em renda em favor do fisco, limitando o alcance da proposta governamental.

Não obstante entendermos serem necessárias algumas alterações no projeto, a nosso ver, iniciativas como esta do governo federal, no sentido de incrementar o relacionamento fisco-contribuinte, devem ser apoiadas e comemoradas.

Luiz Roberto Peroba e Lisa Shayo são advogados e, respectivamente, sócio e associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados

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