Título: Empresas sofrem para atrair executivos ao pólo de Manaus
Autor: Giardino, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2007, EU & Investimentos, p. D6

Em meados de 2005, o diretor de RH da Xerox, Roberto Chagas, voltava para o escritório da empresa do Rio de Janeiro. Ele havia partido em 1990 para Manaus, com um contrato inicial de três anos. Na época, recebeu a missão de ajudar na estruturação da recém-criada fábrica da companhia. Mas no meio do caminho surgiu mais um projeto, depois outro e quando percebeu havia ficado na cidade por longos 16 anos.

Embora tivesse planos de passar uma curta temporada, a dificuldade para atrair sucessores e profissionais preparados na região refletiu não só em sua permanência como na "importação" maciça de executivos do Sul e Sudeste. "Chegamos a transferir mais de 60 pessoas desde a implantação da unidade local", revela Chagas. "Normalmente, quem ia, retornava após dois anos". Assim como aconteceu com a Xerox, muitas empresas instaladas no pólo industrial de Manaus (ex-Zona Franca) enfrentam problemas com a rotatividade de mão-de-obra.

Situação que vem se agravando ano após ano, principalmente com o aumento dos negócios - em janeiro, por exemplo, as empresas registraram um crescimento de 16,3% na receita em relação ao mesmo período do ano passado -, as perspectivas de novos investimentos e o aquecimento do mercado. De acordo com André Bocater, diretor-geral da Case Consulting, consultoria especializada no recrutamento para média gerência, se antes levar alguém era uma tarefa complicada, agora se tornou uma enorme dor de cabeça .

"Mesmo Manaus tendo melhorado muito nos últimos cinco anos em termos de infra-estrutura, com a chegada de TV a cabo, internet e a criação de vôos diretos e diários, há inúmeras oportunidades aparecendo em São Paulo", diz. "E isso faz com que os candidatos rejeitem propostas", explica. A falta de profissionais qualificados gera uma enorme disputa por talentos e inflaciona os salários, que segundo Bocater ficam, em alguns casos, 20% acima dos praticados em São Paulo.

Não raro, uma empresa rouba profissionais de seu concorrente ou de outra companhia quando não consegue atrair executivos do eixo Rio-São Paulo, o que contribui para o 'gap' de mão-de-obra especializada local. "Quem dá mais, leva. É assim que funciona no pólo industrial", ressalta Bocater. "Por outro lado, para tirar o profissional dos grandes centros, as companhias pagam mais, promovem de cargo e subsidiam casa ou escola dos filhos", afirma.

Luis Michelin, gerente de produção da Visteon, empresa que atua no setor de materiais automotivos, acaba de desembarcar com a mulher e dois filhos na fábrica da empresa em Manaus. Se prepara para assumir no segundo semestre o posto de diretor-presidente da planta. Ele sai da unidade de Guarulhos, em São Paulo, de olho numa posição mais desafiadora para a carreira.

"Sem dúvida que o salário foi um fator importante para a minha decisão, mas vim com o objetivo de crescer profissionalmente", aponta. Michelin está há 17 aos na mesma companhia, dos quais aproximadamente seis ocupando a mesma função. "Aqui terei sob minha responsabilidade toda a gestão da fábrica. É um desafio e tanto". A decisão, conta, não foi difícil, principalmente porque já havia morado com a família durante três anos nos Estados Unidos.

Enquanto ele vai, João Calleff, atual diretor residente da Visteon Amazônia se prepara para retornar. O executivo esteve por duas vezes comandando a fábrica. A primeira vez foi em 1998 no período de implantação da planta industrial. Passados dois anos, regressou a São Paulo e no final de 2004 pegou o avião rumo a Manaus novamente. Acredita ter sido extremamente importante a experiência, já que passou por várias áreas, incluindo logística - uma das mais críticas da região -, administração, planejamento de materiais, manufatura, tecnologia da informação, importação e exportação. "Sem esquecer da parte de legislação, que é bastante peculiar aqui no pólo".

Hoje, ele reconhece que Manaus avançou bastante e apesar da distância já se aproxima das grandes cidades, sem os problemas de segurança e com qualidade de vida. "Temos 2,8 milhões de habitantes e três shoppings, além de várias universidades, o que não existia no passado", afirma Calleff. Por essa razão, ele acredita que "importar" gente de fora se tornou menos complicado. "Não tem jeito, para funções da área de exatas é necessário buscar em outros estados".

Os salários, segundo Callef, são, em média, 15% maiores para cobrir o custo de vida mais alto. Mas o profissional, acaba ganhando, na sua opinião, com benefícios adicionais, como carro, combustível e ajuda de custo para aluguel. "Os profissionais especializados são assediados e por essa razão vemos um turnover fora do comum", diz. No caso de Callef, os convites de fora nunca o atraíram por ter 34 anos de casa e seu plano de previdência privada ser compensador.

Na Visteon, só para o cargo de diretor-presidente a empresa mantém a política de transferência - sempre com profissionais de São Paulo. "Existem alguns gerentes de fora, mas procuramos manter a política de pessoas locais, porque sai muito caro levar de outra cidade e os riscos da adaptação são enormes". A empresa opta ainda por "importar" da fábrica em Guarulhos mesmo quando encontra profissionais qualificados nas áreas de manufatura e logística. E a razão é muito simples. "Se achamos, esse profissional é extremamente valorizado e recebe salários fora do nosso patamar de remuneração".

Na Xerox, a solução foi investir na formação de jovens talentos. Chagas explica que para driblar o problema da falta de mão-de-obra, a empresa resolveu desenvolver um plano de sucessão interno e outro de treinamento. Há programas direcionados para a formação de gerentes e de nível básico, com bolsa de estudo para estudantes do primeiro e segundo graus. "Já perdemos alguns funcionários pelo caminho, mas essa é uma aposta que vale a pena", diz. Tanto que atualmente, raramente importa gente. Curiosamente, sua família resolveu ficar e ele divide seu tempo agora entre a filial carioca e a unidade fabril em Manaus.

Luiz Pastore, presidente da Pastore da Amazônia, fabricante de peças e componentes para a indústria eletroeletrônica, afirma que já foi mais duro contratar gente de fora. Mas os problemas de assalto, trânsito e estresse nas metrópoles têm seduzido um número maior de pessoas para trabalhar em Manaus. "Mesmo com o mercado aquecido, conseguimos trazer quando precisamos mão-de-obra especializada do Sul e Sudeste", revela. Na sua empresa, do total de 800 funcionários, só 10 vieram de fora e para funções bastante qualificadas, que exigem formação diferenciada.

E os que vão - basicamente gerentes -, são atraídos pela oportunidade de promoção e ascensão na carreira. "Damos apoio inicial para aluguel e escolha de escola para os filhos", diz Pastore. Quanto ao assédio de concorrentes, o executivo acredita que muitas empresas começaram a reavaliar um pouco essa política agressiva. "Há três anos, com o boom de empresas de celular se instalando aqui, houve muito rouba-rouba. No entanto, viram que era o pior caminho, porque se tiravam alguém, na outra semana, eram desfalcados também", lembra.

Independente disso, a realidade é que Manaus continua se deparando com o desafio de manter profissionais qualificados por um tempo maior. Gustavo Costa, gerente da divisão de engenharia da Michael Page, empresa especializada na seleção de executivos, ressalta que quem aposta em um emprego na região é alvo dos headhunters. "Pode ser difícil levar, mas quem vai ganha salários altos e fica na mira de outras companhias com dificuldade para achar talentos. Ou seja, ele se torna valorizado, tanto que há distorções significativas", conta. "Há gerente que chegam a ganhar mais que diretores em São Paulo".