Título: O custo da comida saudável
Autor: Khodr, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 26/12/2010, Brasil, p. 10

SAÚDE Pesquisa da USP mostra que verduras, legumes e cereais são proporcionalmente a parte mais cara da alimentação do brasileiro

Com uma lata de leite condensado é possível consumir metade das 2 mil calorias diárias recomendadas para um adulto saudável a um custo de menos de R$ 3. Mas para ingerir a mesma quantidade de calorias com frutas seriam necessárias 10 maçãs, um gasto total de R$ 8. Apesar de frutas, verduras, legumes e cereais serem alimentos que devem compor a base da dieta do brasileiro, um estudo da Universidade de São Paulo mostra que, proporcionalmente, essa é a parte mais cara da alimentação.

O Correio simulou a compra de alimentos suficientes para suprir o consumo aconselhado de uma pessoa por uma semana ¿ sendo 2 mil calorias diárias. Em um dos carrinhos, foram utilizados apenas produtos de preparo rápido, fácil consumo e alto valor calórico, e R$ 73,10 se mostraram suficientes para completar a quantidade de energia estipulada. Já no segundo carrinho, foi gasto quase o dobro para atingir o total de calorias com frutas, hortaliças, legumes e outros alimentos considerados saudáveis.

Rafael Claro, autor da pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP sobre a influência do preço dos alimentos na composição da dieta do brasileiro, acredita que políticas de ajuste de preço podem ajudar a melhorar os hábitos alimentares da população. De acordo com o estudo, se o preço de frutas e hortaliças baixasse em 10%, o total de calorias ingeridas vindas desses itens aumentaria em quase 7,9%. ¿Hoje, apenas 2,5% da dieta dos brasileiros é composta pelo consumo de frutas e hortaliças. Se o preço desses produtos diminuísse, com certeza ocorreria um estímulo na demanda¿, diz.

Em contrapartida, a ingestão de produtos industrializados, com muitas calorias e baixo teor nutricional só tem aumentado. ¿Nos últimos anos, esses produtos sofreram baixa de preço significativa. Quem viveu nos anos 1980 lembra como era caro um refrigerante. Hoje essa é uma das bebidas mais acessíveis¿, lamenta. Para o especialista, as bebidas adoçadas estão associadas aos casos de sobrepeso e obesidade ¿ condição que favorece o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes tipo 2.

Claro defende a intervenção do governo para estimular o consumo de alimentos saudáveis e reduzir a ingestão daqueles que, em excesso, podem ser prejudiciais à saúde. ¿Num primeiro momento, os impostos das frutas, hortaliças e legumes produzidos no país deveriam ser removidos. A parcela de arrecadação do governo oriunda desses produtos é muito pequena e o impacto poderia ser compensado com a economia em gastos com saúde. Em seguida, alimentos com muita caloria e baixo teor nutricional deveriam sofrer maior taxação, para desestimular o consumo¿, sugere. O estudo constatou que se o preço de bebidas adoçadas (refrigerantes, energéticos e sucos com adição de açúcar) aumentasse 10%, o consumo poderia cair em 8,4%.

De acordo com o especialista, além de alterações nos preços dos alimentos, a propaganda também tem grande influência na escolha dos produtos. ¿O ideal seria estabelecer uma equidade no ambiente para favorecer a compra de alimentos saudáveis. As empresas de produtos industrializados têm condições de manter promotores de venda nos supermercados e também de posicionar os itens em pontos estratégicos para estimular a venda. Frutas, verduras e legumes ficam em desvantagem¿, explica.

Mudança de hábitos

Especialistas, no entanto, alertam que só uma política de ajustes de preços não resolveria o problema. Kênia Baiocchi, especialista em nutrição da Universidade de Brasília, acredita ser necessária uma mudança de comportamento para que o brasileiro cultive novos hábitos. ¿O preço é um ponto importante, mas é um conjunto de fatores que faz as pessoas seguirem certos hábitos de dieta. Apenas políticas de redução do preço de produtos naturais não resolveriam esse problema¿, explica.

Para a nutricionista, falta de tempo e comodidade também atrapalham. ¿A correria do dia a dia, aliada ao forte apelo publicitário de produtos industrializados, dificulta bastante. Hoje você vai abastecer o carro e no posto de gasolina existem inúmeras opções de salgadinhos ou doces a baixo custo que podem enganar a fome naquele momento¿, diz.

O servidor público aposentado Sebastião Andrade, 64 anos, concorda com a especialista. ¿As pessoas preferem alimentos de fácil preparo e acesso¿, diz. Mas ele acredita que esse pensamento está começando a mudar. ¿Acho que chega um momento que elas percebem que a comodidade não vale a pena, já que vão gastar tempo e dinheiro com academia, ou até cirurgias, para se livrar do excesso de peso¿, diz.

Maria Lúcia Mello, 58 anos, mora no Rio de Janeiro e diz que busca manter uma alimentação balanceada, e com muitas frutas por causa das vitaminas. ¿No Rio, as pessoas valorizam o cuidado com a saúde. Acredito que mais do que preço, é uma questão de conscientização¿, diz. Já José Inácio Ferreira, 83 anos, diz que aprendeu a se preocupar com a alimentação com a idade. Morador de Rio Preto (MS), ele acha os preços das frutas e dos legumes muito altos no Distrito Federal. ¿Moro perto da região produtora, então o valor dos produtos é muito mais acessível. Aqui em Brasília as coisas são muito caras¿, afirma.

"Hoje, apenas 2,5% da dieta dos brasileiros é composta pelo consumo de frutas e hortaliças. Se o preço desses produtos diminuísse, com certeza ocorreria um estímulo na demanda¿

Rafael Claro, pesquisador da USP

Novas regras

» A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou em junho deste ano uma série de novas regras para a publicidade e promoção de alimentos e bebidas com baixo teor nutricional e elevadas quantidades de sódio, açúcar e gordura saturada ou trans. Um pacote de biscoito recheado, por exemplo, chega a conter 60g de açúcar em 100g de biscoitos, mais de quatro vezes superior ao limite. As empresas têm até a próxima quarta-feira para se adequar às novas regras.

Opções de consumo

A especialista em nutrição da UnB Kênia Baiocchi apresenta algumas alternativas para melhorar a qualidade da alimentação, economizar na compra de produtos saudáveis e fugir do apelo publicitário da indústria de guloseimas. Para quem come sempre fora de casa e não quer gastar muito, ela recomenda optar por restaurantes do tipo self-service que ofereçam boas opções de saladas e evitar alimentos congelados ou lanches rápidos. ¿Além de muito calóricos, esses produtos geralmente têm grande quantidade de sódio e de gordura saturada¿, explica. Para os intervalos entre as refeições, a nutricionista indica as frutas de fácil transporte, como maçã e banana. ¿Se não tiver acesso a locais com frutas, tem que levar de casa¿, recomenda.

E para melhorar o acesso às frutas, a dica é aproveitar as estações. ¿Tem que ficar atento às safras. As frutas da época são mais baratas¿, explica. Fazer pesquisas de preços e procurar fim de feiras também são boas opções.

¿Alguns produtos podem não ser tão vistosos, mas nem por isso estão estragados ou são menos nutritivos¿, esclarece.

A preocupação maior da nutricionista é com as crianças. ¿É importante trabalhar o comportamento alimentar desde cedo. Acostumar o paladar da criança com produtos saudáveis. Mudar de atitudes depois de adulto é mais difícil¿, diz. De acordo com a especialista, a maioria das pessoas sabe como manter uma alimentação saudável, mas poucas colocam esse conhecimento em prática. ¿As pessoas sabem que é importante comer frutas e verduras e praticar exercícios. Por isso, aliado à informação, são necessários outros incentivos¿, diz. (CK)