Título: De vento em popa
Autor: Fariello, Danilo e Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 22/05/2007, EU & Investimentos, p. D1

A captação líquida dos fundos de investimento neste ano prova que o setor conseguiu se reinventar e mesmo superar a atratividade de um passado recente de juros elevados. Até quinta-feira, as diversas categorias atraíram R$ 49,145 bilhões, mais do que o total observado em 2006, de R$ 47,295 bilhões, de acordo com o site Fortuna. Por anos, os fundos foram procurados para oferecer renda segundo a taxa de juros corrente. Com a queda da Selic, chegou-se a preconizar que perderiam espaço para a caderneta de poupança e outras modalidades de aplicação. Mas as gestoras de recursos passaram a oferecer opções mais arriscadas aos cotistas e a novidade foi bem aceita graças a um período de bonança na economia.

Entre os investidores de varejo, puxaram a captação principalmente os fundos multimercado, de renda fixa e de ações. Embora com valor absoluto de captação menor do que os demais, os fundos de ações apresentam maior aceleração da captação. Enquanto em todo o ano passado foram depositados R$ 4,469 bilhões nessas carteiras, até quinta-feira esses fundos receberam R$ 6,589 bilhões. Os fundos de renda fixa também já superam a captação do ano passado, segundo o Fortuna, com R$ 10,960 bilhões, em comparação aos R$ 9,591 bilhões de 2006.

Em números absolutos, são os multimercados que turbinam o setor neste ano. As carteiras voltadas a grandes e pequenos investidores atraíram R$ 12,398 bilhões líquidos até quinta-feira.

Com o juro nominal cruzando a fronteira do 1% ao mês, o aplicador tem sido impelido a topar novos riscos e as carteiras mistas e de renda variável são um destino inequívoco, afirma o gestor do Credit Suisse Glauco Bronz Cavalcanti. Se no mercado já há a percepção de que os juros podem cair com maior velocidade, o cotista só vai tomar uma atitude mesmo quando perceber que está lucrando menos, diz.

O boletim Focus divulgado ontem, com a pesquisa do Banco Central (BC) junto ao mercado, já traz a previsão de que, na reunião de junho do Comitê de Política Monetária (Copom), a Selic será reduzida em 0,50 ponto percentual - ante o 0,25 ponto percentual dos encontros anteriores -, para 12% ao ano, chegando a 10,75% anuais em dezembro. "É um estímulo à mudança e que pega o investidor pelo bolso", diz Cavalcanti. Grosso modo, com o juro nominal em 10% ao ano, um fundo DI que ofereça 90% do CDI proporcionará ganho bruto de 0,70% ao mês, menos do que duas CPMFs.

Com menos de uma década, os fundos multimercado são recentes no Brasil, o que justifica a procura pelos fundos mais agressivos e flexíveis na gestão, diz Delano Franco, diretor de gestão da Mellon Global Investments Brasil. "É o caminho natural para mais risco, pois o brasileiro tem pouca cultura em ações."

O maior volume fluindo para os fundos tem origem na expansão do crédito no Brasil, assinala o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, diretor de investimentos do Banco Nossa Caixa. Ao injetar mais capital na economia, a multiplicação desses recursos na cadeia produtiva em algum momento acaba gerando poupança, que é em parte colocada nos fundos. Ele destaca também que a boa rentabilidade dos fundos tem elevado o apetite dos cotistas. Esse estado de coisas fez o patrimônio total dos fundos superar a marca de R$ 1 trilhão no mês passado.

A maior propensão a poupar se explica ainda por outro fenômeno recente no Brasil que é o desenvolvimento do mercado de capitais, diz o responsável pela UBS Pactual Asset Management na América Latina, Rodrigo Xavier. Com novas empresas abrindo o capital e os negócios de fusões e aquisições prosperando, há mais liquidez sendo liberada para os mercados como um todo e os fundos são um dos destinos desse dinheiro.

Com a casa arrumada, os riscos, agora, vêm de fora, diz Cavalcanti. A China, onde a bancarização avança a taxas exponenciais, pode ainda provocar solavancos, enquanto nos EUA, os investidores vêm monitorando cada dado econômico para dimensionar se a inflação e a atividade se mantêm num ritmo perto do confortável. O gestor do Credit Suisse não vislumbra, porém, uma correção mais drástica do Ibovespa. "Os ativos ainda não chegaram aos seus preços (justos)", diz.

Toledo, do Nossa Caixa, diz que é tal o vigor da economia que a crise gerada pela China em março passou praticamente despercebida. "No conjunto, está difícil ver uma nuvem neste céu de brigadeiro." Vale como alerta, porém, o fato de que, a esta altura no ano passado, a captação dos fundos também estava em níveis elevados. Há um ano, a euforia atravessou um momento de volatilidade mais forte. A crise arrebatou boa parte da rentabilidade e da captação dos fundos mais agressivos nos meses seguintes, fazendo a captação do ano cair de R$ 60 bilhões ao nível de R$ 47 bilhões em dezembro.

No Banco do Brasil, até mesmo o investidor de varejo, com perfil mais conservador, começa a testar os portfólios mais apimentados. "O aplicador tem buscado algo que dê um pouco mais de lucro, migrando dos fundos DIs para as carteiras que têm mais títulos prefixados, ou para os multimercados", diz o diretor executivo da BB DTVM, Arnaldo Vollet. Os fundos de privatização de Vale do Rio Doce e de Petrobras também têm sido um ensaio para quem começa a enxergar a renda variável com outros olhos.

Enquanto o mercado se divide sobre o ritmo de corte da Selic nas próximas reuniões do Copom, Vollet não vê riscos no curto prazo. "Se será 0,25 ponto percentual ou 0,50 ponto percentual são variações sobre o mesmo tema, o importante é que o ambiente macroeconômico inspira confiança, o que se confirmou com o aumento da classificação de risco (soberano)."