Título: Produtor médio será foco de política agrícola
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2006, Política, p. A6

Determinado a aproximar seu governo de uma parte expressiva do setor rural, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer mudar, em seu segundo mandato, o foco dos benefícios da política agrícola para a "classe média" dos produtores. Os agricultores familiares e assentados da reforma agrária continuarão a ter prestígio político, mas o governo petista busca uma forma de "isolar" os grandes produtores e a bancada ruralista do Congresso, mais identificados com a oposição.

O movimento do governo busca recuperar o apoio perdido nas camadas médias do setor em função da grave crise de renda que tem abatido centenas de produtores de grãos e pecuaristas desde o fim de 2004.

O principal foco do chamado "Novo Proger Rural" será nos produtores com renda anual entre R$ 80 mil e R$ 240 mil. É nessa faixa, na qual a maioria absoluta detém áreas entre 20 e 300 hectares, que encontram mais apelo os discursos de lideranças ruralistas por novas renegociações de dívidas rurais e por socorros emergenciais em épocas de crise aguda.

A maior parte da classe média rural, sobretudo na região Sul, está ligada a cooperativas agrícolas. Por isso, o governo também apostará na modernização da legislação do segmento para ampliar os benefícios às chamadas cooperativas de economia solidária, hoje restritas ao atendimento de assentados da reforma agrária. "O governo deve contar com perfis e relacionamento mais próximos entre os ministros da Agricultura, Desenvolvimento Agrário e de Meio Ambiente. Por isso, as cooperativas são vitais", diz o secretário de Agricultura Familiar do MDA, Valter Bianchini. Cotado para assumir o ministério, ele coordenou o programa de agricultura do PT na campanha. "Recuperamos os instrumentos e a política será mais voltada para os médios produtores", afirma.

Responsáveis por 20% da geração da riqueza no campo e por 19% da área total dos imóveis rurais do país, os médios produtores passarão a ter o amparo de um pacote de bondades que deve incluir crédito mais farto, juros mais baixos, seguro rural de cobertura mais ampla e prêmios mais subsidiados para garantir proteção de renda.

A primeira medida concreta deve ser a extensão do seguro contra flutuações de preço aos médios produtores, benefício já obtido pelos produtores familiares. O mecanismo fixa uma cotação mínima de referência para determinados produtos e concede descontos em caso de queda dos preços abaixo do estabelecido. É um forte instrumento de subsídio que deve evitar novas rolagens de dívidas.

Parte dos esforços para levar luz, educação e habitação ao campo também será direcionada à esse estrato. Os formuladores do governo apostam também na ampliação da infra-estrutura de ferrovias, rodovias e portos nas principais regiões de produção do país para atrair a simpatia desta fatia do setor.

Obras como o asfaltamento das rodovias BR-163 e BR-158, além da conclusão das ferrovias Norte-Sul e Ferronorte, são consideradas "essenciais" para reduzir os custos de produção e garantir mais renda ao produtor. A nova política aproxima-se também dos desejos do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, único líder ruralista a apoiar Lula nas eleições.

Apesar de ampliar o leque, o governo petista manterá o atendimento à base do movimento social. As políticas públicas para a agricultura familiar continuarão como as principais prioridades em 2007. Os orçamentos de custeio e investimento dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura deixam bem clara a opção.

O MDA terá R$ 3,6 bilhões para investir em 2007. A Agricultura, apenas R$ 950 milhões - o equivalente ao orçamento para a aquisição de terras à reforma agrária, que tinha previsão de gastos de R$ 931 milhões, mas que deve chegar a R$ 1,43 bilhão. A defesa agropecuária pediu R$ 420 milhões, mas levou R$ 195 milhões. Em 2006, somou R$ 146,4 milhões, mas apenas R$ 109,5 milhões foram autorizados até outubro. O seguro rural, outra prioridade, terá apenas R$ 45 milhões em 2007.

A diferença de orçamento tem alimentado, desde 2003, uma rixa de bastidores e criado uma forte divisão entre agronegócio e agricultura familiar no governo Lula. Os ruralistas já detectaram as prioridades. E prometem reagir. "Há uma tendência de aprofundar a partidarização e o patrulhamento ideológico. Isso vai contaminar as decisões porque é um desenho direcionista, não evolucionista", diz o ex-vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e novo secretário de Agricultura de Minas Gerais, Gilman Rodrigues. "Sem dúvidas, nós vamos participar do debates federais", afirma o colega de São Paulo, João Sampaio, até então presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). "A mobilização deles é muito trabalhada. O setor empresarial fica no gerenciamento, quer regras e não busca ideologias", diz Gilman.

Na estratégia do governo petista para o segundo mandato, haverá espaço privilegiado para reabrir as discussões sobre a revisão dos índices de produtividade usados na desapropriação de terras para fins de reforma agrária. A proposta, que está na mesa do presidente Lula desde fevereiro, eleva os índices exigidos, dobrando-os em alguns casos. Os novos índices valeriam para 99 mil propriedades com extensão superior a 15 módulos fiscais (entre 20 e 90 hectares), que representam apenas 2% do total das fazendas, mas significam 52% da área total. Lideranças ruralistas são radicalmente contra as alterações. Os movimentos sociais exigem a revisão.

Sem meias-palavras, o atual ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, tem reforçado a divisão entre agronegócio e agricultura familiar. "A produção do agronegócio de exportação é da época da necessidade de geração de divisas. A agricultura familiar é quem produz alimentos. Tem que escolher se queremos um campo com muitas máquinas e sem gente ou um campo com muita gente", analisa. Cassel prepara o terreno para a eventual volta do ex-ministro Miguel Rossetto, ao qual é ligado. Na Agricultura, ganha força o nome do deputado Waldemir Moka (PMDB-MS). Ligado ao governador eleito André Puccinelli, o deputado tem o apoio de Blairo Maggi e a simpatia do ex-ministro Roberto Rodrigues, que tem sido consultado por Lula nas conversas sobre a formação do novo ministério.