Título: Classe média ficará sem os empregos que espera, diz Pochmann
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2006, Política, p. A6

A insatisfação da classe média brasileira pode se agravar no segundo mandato do governo Lula, prevê Márcio Pochmann, economista da Unicamp. Este descontentamento, segundo ele, teve origem nos anos 90, numa conjuntura de estabilidade combinada com desemprego. Mas a base de apoio do governo petista, ancorada numa combinação dos muito ricos com os muito pobres, marginalizou ainda mais este segmento social geograficamente concentrado no Sudeste/Sul do país. No cenário de Pochmann, o modelo econômico atual, mesmo que leve o Brasil a voltar a crescer, não terá muito o que oferecer a esta parcela da população.

A gênese desse processo, segundo explicou, derivou dos insucessos dos programas de ajustes estruturais defendidos pelo Banco Mundial para a América Latina, que não resultaram em crescimento sustentado e não criaram as bases para a edificação de uma classe média forte nos países da região. O que aconteceu foi um clima de desconforto da maioria da população por causa da consolidação de grandes fortunas versus o empobrecimento de outros grupos sociais.

Neste contexto, a saída encontrada pelos governos de centro-esquerda que se estabeleceram no Brasil, México e Chile, foi partir para a criação de uma base de sustentação da democracia através da conquista do apoio dos mais ricos e de uma política de transferência de renda capaz de lhes garantir os votos e o apoio dos mais pobres, como é o caso do Bolsa Família. Para Pochmann, este é um programa barato, equivalente a 0,3% do PIB, mas de grande efeito político.

A classe média assalariada, que tinha a expectativa de que a economia voltasse a crescer no governo petista gerando emprego de boa qualidade, se frustrou. "Hoje, a classe média está vivendo uma crise de reprodução dos seus padrões. Seus filhos não conseguem mais reproduzir o padrão de vida de seus pais", diagnostica Pochmann. Segundo ele, mesmo que a economia retome taxas de crescimento entre 5% a 6% não vai gerar os empregos que a classe média espera.

Apesar deste governo estar gerando postos de trabalho com carteira assinada, estes empregos atendem a pessoas de menor renda. "Cerca de 96% dos novos postos de trabalho abertos nos últimos três anos eram de salários até um salário mínimo e meio", explicou o economista da Unicamp. A seu ver, a classe média está entrando em desespero, pois, apesar de investir na maior escolaridade de seus filhos, não vê a contrapartida da expansão dos empregos qualificados. A saída tem sido a migração de cérebros para o exterior. "Temos atualmente 2,5 milhões de pessoas, filhos da classe média, fora do país, que transferiram R$ 12 bilhões para o Brasil".

Pochmann atribui esta crise da classe média a um modelo econômico movido por exportações de bens de baixo valor agregado que pressupõe emprego de remuneração muito baixa. E prevê que a tensão desse segmento social vai só aumentar nos próximos quatro anos. Pois, para atender aos anseios de uma classe média, hoje segmentada entre assalariados e proprietários, o governo teria que fazer mudanças mais bruscas para a economia voltar a crescer de forma sustentada e gerar empregos e bens públicos que atendam às necessidades da classe média.

A classe média assalariada, destacou, quer bens públicos, como educação e saúde de boa qualidade e também previdência social. "Isto vai demandar muito dinheiro do poder público. Sai mais barato fazer programa social para pobre ou aumentar o salário mínimo", comentou Pochmann. A questão maior, a seu ver, é quem vai canalizar a insatisfação da classe média que não terá suas demandas atendidas. Os partidos políticos perderam esta função, restam os sindicatos de bancários e de funcionários públicos, que podem carrear este mal estar e transformá-lo em bandeira de luta para a classe média assalariada. A classe média proprietária pode buscar saídas mais conservadoras, como aderir à bandeira do PFL contra o aumento de impostos.