Título: Porta de saída do Bolsa Família esbarra no desemprego juvenil
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2006, Política, p. A6

Ao final dos próximos quatro anos, a primeira geração de crianças e jovens atendidos pelo programa Bolsa Família poderá deixar de receber o benefício sem ainda ter uma perspectiva de continuar os estudos ou de ter uma vaga no mercado de trabalho com remuneração suficiente para não precisar mais dos benefícios do governo. A alta taxa de desemprego entre os jovens e a precariedade das vagas criadas no mercado de trabalho são o novo desafio que o Bolsa Família terá de enfrentar no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O foco do Bolsa Família está nas crianças e jovens em idade escolar, para sair da linha da pobreza por meio da educação. Nos três primeiros anos de existência, o programa atingiu o objetivo de atender 11,1 milhões de famílias abaixo da linha da pobreza e nos próximos quatro anos, o Ministério do Desenvolvimento Social centrará esforços nas chamadas "portas de saída", em especial para os jovens.

Segundo dados do Dieese, das pessoas sem emprego no Brasil, metade é constituída por jovens. Dos 3,24 milhões de desempregados em cinco regiões metropolitanas e no Distrito Federal em 2005, 1,47 milhão, ou 45,5% do total, tinham idade entre 16 e 24 anos. O número é desproporcional à taxa representada pelos jovens na População Economicamente Ativa (PEA), onde correspondem a 25%.

Quanto menor a renda dos pais, mais as famílias carentes tendem a "empurrar" os jovens e as crianças para o mercado de trabalho. O retrato dos empregos criados nos últimos anos não é alentador: entre setembro de 2004 e outubro de 2006, 94,5% do total de empregos abertos no país situaram-se na faixa de até 1,5 salário mínimo mensal. "Quando a renda cai, há mais pressão, naturalmente, para ingressar no mercado. A pressão cresce inclusive sobre as crianças, que acabam procurando uma ocupação", pontua o pesquisador Marcio Pochmann, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. "Na faixa entre 15 e 24 anos, a cada 10 jovens pobres, 8 trabalham. Nas famílias ricas, de cada 10, apenas 1 trabalha. Não há igualdade de oportunidade".

O Bolsa Família beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00). Um casal com uma criança, por exemplo, em que apenas uma pessoa trabalha e recebe cerca de um salário mínimo seria contemplada pelo programa. Mas o benefício, além de não postergar o ingresso dos jovens no mercado de trabalho, ainda não consegue evitar que as crianças trabalhem. O aumento do trabalho infantil foi registrado na última PNAD e em 2005, 2,5 milhões de pessoas entre 5 e 14 anos trabalhavam -um contingente 10,5% maior do que o registrado na pesquisa anterior. Muito mais intenso na zona rural, o trabalho infantil aumentou, de acordo com técnicos do IBGE, devido a crise na agricultura, enfrentada principalmente nas regiões Sul e Centro Oeste.

Em uma análise minuciosa da PNAD de 2004, feita pelo pesquisador da FGV Marcelo Neri é observada a deterioração do trabalho infantil na faixa etária coberta pelo Bolsa Família: de 7 a 15 anos, o número dos que trabalhavam era maior entre os que recebiam a transferência de renda: dos beneficiários do Bolsa, 10,29 % trabalhavam. Dos que não recebem, apenas 6,6 % têm alguma ocupação.

Outro dado preocupante é a evasão escolar, na faixa etária de 15 a 17 anos, logo acima da dos beneficiários do Bolsa Família. "É a fase mais crítica. O mercado de trabalho é muito atrativo nessa faixa", analisa Neri. O Ministério do Desenvolvimento Social reconhece a dificuldade e a limitação do programa em manter os jovens na escola. "Segurar o adolescente na escola é muito difícil, ainda mais quando existe oportunidade no mercado de trabalho. Ele precisa da renda e a tentação da família de usar a criança para aumentar a renda familiar é muito grande", observa Lúcia Modesto, diretora do Cadastro Único do Bolsa. Lucia atenta que existem outros programas que ajudam os jovens a continuar os estudos, como o ProJovem, Agente Jovem e Agente Cidadão e diz que o objetivo para os próximos anos é integrar todos esses programas de inclusão produtiva.

Outro foco para o próximo mandato é aumentar em 20% o valor do benefício, especialmente para a faixa que contemple diretamente as crianças e os jovens. Existe também a proposta de criar uma poupança no ensino fundamental, para que seja resgatada no término dos estudos. O ministério planeja, também determinar o prazo para recebimento da renda.

Marcio Pochmann diz que se não houver recursos fornecidos pelo governo para manter as crianças e jovens na escola, a desigualdade social não será resolvida. O Bolsa Família ameniza a pobreza, mas ainda não está devidamente conectado aos programas de "porta de saída". "É incrível o impacto desse programa que, com apenas 0,3% do PIB tem um efeito tão importante. Mas se não houver a geração de postos de trabalho com renda de classe média, será impossível superar a situação", diz.