Título: Falta qualidade ao investimento em educação
Autor: Watanabe, Marta e Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2006, Política, p. A7

Os principais programas educacionais do governo Lula devem elevar os índices de escolaridade e aproximar o país das metas estipuladas no Plano Nacional de Educação elaborado pelo governo federal em 2001, como a inclusão no ensino superior de 30% dos jovens entre 18 e 24 anos até 2011. Hoje apenas 10,4% dessa faixa etária têm acesso à faculdade.

Com planos ambiciosos, como o Fundeb, a expansão do Prouni e a criação de dez novas universidades federais e 48 campi, a pasta de educação receberá R$ 11,7 bilhões para investimentos, segundo o orçamento aprovado para 2007. O valor é R$ 3,3 bilhões superior ao orçado em 2006. Os recursos saltaram de 1,83% para 2,28% da receita primária líquida, que inclui a arrecadação do governo federal menos as transferências a Estados e municípios.

A questão, segundo os especialistas, é saber se o aumento no volume de recursos será suficiente e garantirá, além da melhora dos índices quantitativos, um ensino de boa qualidade.

Estrela entre os programas com participação do governo federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) espera somente a regulamentação para entrar em vigor. Ontem o presidente Lula sancionou uma MP que atribui parte da regulamentação a um conselho. O ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que a comissão deve ser instalada até o dia 15 de janeiro. Segundo ele, a expectativa é que o grupo defina a divisão dos recursos do fundo em um mês. O Fundeb entrará em vigor no dia 1º de março, com efeito retroativo a 1º de janeiro.

A principal mudança em relação ao Fundef, programa que vigorou entre 1996 e 2006, é a abrangência. Ele pretende garantir acesso à escola não só para o ensino fundamental, mas também para a educação infantil, inclusive creches (com atendimento de crianças de zero a três anos), o ensino médio e a educação de jovens e adultos.

O número de alunos atendidos deve saltar de 30,2 milhões para 48,1 milhões. Para a expansão, a participação da União aumenta dos R$ 313,7 milhões aplicados no Fundef em 2006 para R$ 2 bilhões já orçados para o Fundeb em 2007. A emenda constitucional que promulgou o programa também prevê um cronograma de aumento da complementação da União ao fundo.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apóia o Fundeb, mas relativiza o aumento de recursos anunciado pelo governo. O dinheiro a mais injetado na educação básica em 2007, argumenta, será menor do que os R$ 2 bilhões do Fundeb. Segundo suas contas, considerando os valores reduzidos para outros programas, o valor que a União deve injetar a mais na educação básica é de R$ 800 milhões. "Isso não vai resolver nada, significa R$ 20 a mais por aluno ao ano, ou R$ 0,10 por aluno ao dia."

O professor José Marcelino de Rezende Pinto, da USP de Ribeirão Preto, também considera que a participação do governo federal continuará pequena. "A União entra agora com apenas 3% dos recursos totais do Fundeb, o que é pouco para a necessidade de complementação de Estados e municípios", diz ele.

"O valor por aluno no Fundeb ficará em torno de R$ 700,00 ao ano. É fácil pensar que a qualidade será baixa se compararmos com os valores cobrados no setor privado", acrescenta. Os cálculos de especialistas indicam que o valor para garantir qualidade mínima é de R$ 1,7 mil ao ano por aluno.

Os especialistas lembram que a destinação dos recursos totais do Fundeb para cada um dos níveis de ensino ainda não está definida. Segundo MP assinada ontem pelo presidente Lula, a fatia para cada um será determinada por uma comissão com representantes da União, Estados e municípios.

"Deve haver uma disputa entre Estados e municípios", diz Paulo Renato de Souza, ex-ministro da educação no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele explica que os Estados devem defender uma fatia maior para o ensino médio, cuja gestão está predominantemente sob sua responsabilidade. Os municípios respondem majoritariamente pelo ensino infantil e, por isso, devem pleitear prioridade maior para os pequenos.

"Essa é uma discussão delicada", concorda o professor Rezende Pinto. Ele lembra que o maior custo da educação é a remuneração dos profissionais. Por isso, o ensino infantil, que demanda maior número de educadores por aluno, tende a ser mais caro. No ensino privado, o atendimento das crianças de zero a três anos requer um profissional para cada três alunos. No ensino fundamental da rede estadual, a média é de um professor para cada 31 alunos, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Para Rezende Pinto, a disputa entre Estados e municípios poderá causar um outro problema: a superlotação de classes. "O risco existe porque os municípios e Estados receberão recursos do Fundeb de acordo com o número de alunos e não em razão da quantidade de classes ou professores." Segundo o professor, essa é uma questão que poderia ser tratada na regulamentação do fundo.

Outro ponto que poderia ser definido na legislação, diz o professor, é um piso salarial para os professores. "Seria uma forma de garantir qualidade de ensino."

Francisco das Chagas Fernandes, secretário de Educação básica do Ministério da Educação (MEC), discorda da necessidade do de definição do número de alunos por sala em uma regulamentação federal. "Os Estados e municípios têm autonomia para definir isso." Segundo ele, o controle de qualidade da União sobre o ensino básico dentro do Fundeb continuará sendo as avaliações sobre o desempenho da educação pública que o Inep já realiza a cada dois anos. O programa, porém, não estabelece sanções ou metas para melhoria do ensino nem para as escolas ou para as administrações públicas.

O senador Cristovam Buarque defende a criação de padrões nacionais nas escolas em razão das diferenças de renda de Estados e municípios, responsáveis pela gestão da educação básica. "É preciso estabelecer padrões nacionais de salários, infra-estrutura, avaliação, e em função disso injetar mais dinheiro."

Sobre os salários, o secretário Fernandes informa que o Inep está preparando uma pesquisa para o Ministério da Educação (MEC) sobre qual o possível piso nacional de professores, já considerando a complementação da União ao Fundeb. O estudo deve ser concluído em breve e encaminhado ao Congresso.

O ex-ministro Paulo Renato de Souza vê a medida com cautela. "A União pode legislar sobre piso salarial somente para o setor privado e para os órgãos ligados a ela", acredita ele. Um valor mínimo, diz, não poderia ser imposto a Estados ou municípios. "Se uma prefeitura não tiver recursos para arcar com o piso, ela poderá questionar o valor judicialmente."

Fernandes defende que uma contribuição do governo federal à qualidade do ensino básico são os investimentos em formação de professores.

A preocupação com a qualidade também está presente na avaliação de outro programa importante da gestão Lula: o Programa Universidade para Todos (Prouni), que concede bolsas integrais ou parciais para alunos de baixa renda da rede pública. No próximo semestre o governo deve ampliar o programa, com 64.179 bolsas integrais e 43.306 parciais.

"Há uma preocupação em ampliar o número de jovens com acesso à faculdade", diz o professor Rezende Pinto. "O problema é dar um produto de má qualidade, com diploma de baixo valor de mercado e, pior do que isso, de baixo valor agregado."

O diretor do departamento de modernização e programas da educação superior do MEC, Celso Carneiro Ribeiro, defende que a qualidade de ensino está sendo acompanhada. "As instituições que apresentarem três avaliações negativas serão descredenciadas do Prouni". O desempenho é medido pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), que analisa os resultados dos alunos, do corpo docente e da gestão, entre outros. Até hoje, porém, nenhuma instituição foi descredenciada. O primeiro resultado da avaliação sai em 2007. A primeira leva de bolsas do Prouni foi oferecida em 2005.

Para Souza, o Prouni é uma iniciativa interessante. "O problema é seu formato, principalmente a contrapartida dada às faculdades particulares em troca das vagas", diz ele, referindo-se à renúncia fiscal de Imposto de Renda pelo valor da bolsa concedida. "O governo federal deveria usar outro sistema como, por exemplo, a compra de vagas, que é mais transparente." O ex-ministro critica a renúncia tributária porque, em função do sigilo fiscal, não é possível identificar o benefício concedido a cada instituição.

Ribeiro, do MEC, diz que a renúncia fiscal é positiva, pois não pesa no orçamento. "O Prouni não custa ao governo."

O professor Rezende Pinto acredita que os investimentos do governo federal deveriam centrar-se no ensino público. "Uma das metas é que o setor público responda por 40% das vagas do ensino superior. Hoje esse índice está em 30%. O Prouni pode aumentar ainda mais a participação do setor privado." Para o professor, os valores do incentivo tributário do programa poderiam ser investidos no setor público, principalmente no ensino médio noturno, que atende a alunos que já estão no mercado de trabalho.

O senador Buarque concorda que o foco de atenção do governo federal deveria ser o ensino médio. "Está sobrando vagas no ensino superior. Mas apenas um terço dos jovens terminam hoje o ensino médio, e desses, só metade têm condições de acompanhar uma faculdade."

Ribeiro discorda que há excesso de vagas nas faculdades. "As bolsas do Prouni foram todas ocupadas, a demanda das universidade privadas é grande, o problema é que a população não pode pagar."

Segundo ele, levantamento das instituições que oferecem bolsa do Prouni mostrou que o desempenho dos bolsistas é maior que a média, e a freqüência é melhor. "Eles entendem a importância da oportunidades que estão tendo. A desistência entre os bolsistas é de 8% a 9%, pequena se comparada com a evasão no ensino superior como um todo", avalia.