Título: A desigualdade começa a cair no Brasil
Autor: Menezes Filho, Naércio
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2006, Opinião, p. A15

A desigualdade de renda finalmente começou a declinar no Brasil, como mostram os dados das pesquisas domiciliares mais recentes, que são medidas da mesma forma desde 1981. O coeficiente de Gini (a medida de desigualdade mais utilizada pelos economistas) passou de 0,593 em 2001 para 0,566 em 2005, depois de ter permanecido por duas décadas no mesmo patamar. Ao tomarmos conhecimento desse fato, algumas perguntas vêm à nossa mente. Será que essa queda na desigualdade é boa notícia para nossa sociedade? Que fatores estão por trás dessa queda? Esta queda é sustentável no longo prazo?

A diminuição da desigualdade é um fator positivo para a sociedade brasileira por várias razões. Em primeiro lugar porque não parece justo viver em uma sociedade em que alguns têm tão pouco enquanto outros poucos têm tanto, qualquer que seja o critério de justiça a ser utilizado. Em segundo lugar porque a desigualdade acaba se voltando contra os mais privilegiados, na forma de taxas maiores de criminalidade, por exemplo. Por fim, porque a desigualdade brasileira parece refletir muito mais uma desigualdade de oportunidades do que uma desigualdade de talentos ou de esforços.

A desigualdade de oportunidades significa que existem pessoas que teriam a possibilidade de contribuir de forma produtiva para a sociedade, mas que não conseguem fazê-lo porque tiveram o azar de nascer numa família pobre. Como disse o economista James Heckman (prêmio Nobel de economia de 2000), "nunca antes o fato de nascer uma família pobre importou tanto. Se eu nascer numa família com pais educados e participativos minhas chances de sucesso são totalmente diferentes do que se eu nascer numa família pobre e desestruturada". Heckman estava se referindo aos Estados Unidos de hoje, mas alguém tem dúvidas de que isto se aplica ao Brasil desde sempre?

Por algum tempo disseminou-se na mídia a idéia de que o Brasil é um país com alta mobilidade entre as gerações, onde o sucesso depende basicamente do esforço pessoal, o que era geralmente ilustrado com exemplos de pessoas de sucesso que nasceram em famílias pobres (como é o caso do nosso presidente). Nada pode estar mais distante da realidade.

Os estudos que chegaram a essa conclusão verificaram que as gerações mais novas, geralmente nascidas após o milagre econômico, alcançaram posições ocupacionais melhores do que as atingidas pelos seus pais. Acontece que a mobilidade deve ser medida não pelo aumento do nível de renda dos filhos com relação aos seus pais, mas sim por quanto a posição dos pais na distribuição de renda da sua geração determina a posição dos filhos na distribuição de renda atual.

-------------------------------------------------------------------------------- É importante remunerar o esforço e recompensar as pessoas que mais contribuem para aumentos de eficiência e produtividade na sociedade --------------------------------------------------------------------------------

Suponha, por exemplo, que um país cresce 7% ao ano durante duas décadas, mas que, ao longo das gerações, os filhos dos mais pobres continuam sempre entre os mais pobres, enquanto os filhos dos mais ricos permanecem sempre entre os mais ricos. Pelo fato do país estar crescendo continuamente, é muito provável que os filhos das famílias mais pobres consigam empregos melhores do que seus pais, ou seja, fiquem menos pobres em termos absolutos. Mas alguém diria que uma sociedade como essa se caracteriza por alta mobilidade social ao longo do tempo?

Estudos recentes mostram que o Brasil, na verdade, é um dos países com menor mobilidade intergeracional entre os que possuem dados disponíveis para este tipo de análise. A correlação entre a posição relativa dos pais e a dos filhos na distribuição de renda é de 0,60 no Brasil, comparada com 0,40 nos EUA, 0,23 no Canadá, 0,34 na Alemanha e 0,20 na Suécia. Isto significa, basicamente, que 60% do seu futuro em termos de renda está determinado pela renda dos seus pais no momento em que você nasce.

É nesse contexto que as notícias sobre a redução da desigualdade no Brasil são bem vindas. Entretanto, antes de comemorarmos, é importante entender se esta queda advém de fatores estruturais, que possibilitarão um aumento nas oportunidades das gerações mais novas ou de fatores meramente circunstanciais ou assistencialistas.

Pesquisas lideradas por economistas da área social do IPEA/RJ mostram que a queda recente na desigualdade de renda no Brasil pode ser explicada por vários fatores. As transferências de renda, tais como o programa Bolsa Família e os benefícios de prestação continuada (BPC) contribuíram com cerca de 30% para a queda da desigualdade. Cerca de 20% pode ser explicada pelo avanço educacional, iniciado na década de 90 e que agora começa a dar frutos. Os aumentos recentes do salário mínimo explicam cerca de 20% e outros 15% decorrem de reduções no diferencial de renda entre as cidades grandes e pequenas e entre cidades urbanas e rurais. O restante (15%) ocorreu devido a outros fatores, que ainda não foram explicados.

A redução da desigualdade advinda do progresso educacional certamente provocará um aumento da mobilidade social e é muito bem vinda. Isto significa que a geração mais jovem terá uma escolaridade média maior que a do seus pais, e isto lhe trará melhores oportunidades no mercado de trabalho. É claro que ainda falta melhorar a qualidade da educação que é recebida pelos mais pobres, o que, por sinal, é um dos principais desafios da política pública brasileira atual.

Mas e o programa Bolsa Família, será que ele contribui para a redução da desigualdade de oportunidades? Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que o alívio rápido de situações de pobreza extrema tem mérito próprio e o Bolsa Família tem que ser avaliado sob este ponto de vista também. Além disto, vários estudos mostram que o programa é muito bem focalizado. Mas o Bolsa Família só vai contribuir para aumentar a mobilidade social se fizer com que as crianças permaneçam por mais tempo na escola. Portanto, é importante condicionar o recebimento da bolsa à freqüência escolar das crianças, e verificar o cumprimento desta condicionalidade com rigor.

Em suma, é importante remunerar o esforço e recompensar as pessoas que mais contribuem para aumentos de eficiência e produtividade na nossa sociedade. Porém, o problema brasileiro é que a desigualdade de renda atual reflete muito mais uma desigualdade de oportunidades do que uma desigualdade de talentos e esforços. Precisamos agir rapidamente para que os progressos recentes nesta área sejam mantidos no longo prazo.

Naércio Menezes Filho é professor de economia do IBMEC-SP e da FEA-USP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil, escreve mensalmente às sextas-feiras.