Título: Gestão Marta Suplicy fez contrato com Gautama em São Paulo
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, Política, p. A10

A Construtora Gautama, apontada pela Polícia Federal como o braço empresarial do esquema de desvio de recursos públicos na Operação Navalha, foi contratada pela Prefeitura de São Paulo, na gestão da ex-prefeita e hoje ministra do Turismo, Marta Suplicy (PT), para executar obras no corredor de ônibus Pirituba-Lapa-Centro. O contrato foi celebrado em dezembro de 1999, na administração do ex-prefeito Celso Pitta (PTB), dois anos após a efetivação da concorrência. Foram colocados em disputa 15 lotes, dos quais a Gautama venceu um, o número 11, referente ao trecho que liga a avenida São João (centro) a rua Cardoso de Almeida (zona oeste).

As obras, no entanto, só teriam início na gestão Marta, em 2001, quando os corredores viraram prioridade de governo. Como havia decorrido quatro anos da licitação e houve mudança na gestão, o preço foi renegociado e diminuiu. Passou de R$ 7,8 milhões para R$ 6,1 milhões, valores referentes a julho de 1996. O decréscimo se deu após a revisão de alguns critérios contratuais. Ciente de que haveria redução no valor, a empresa de Zuleido Veras resistiu à negociação, atrasando o andamento das obras por alguns meses, o que gerou irritação na direção da autarquia, conforme mostra documento interno da contratante, a SPTrans (autarquia municipal responsável pela gestão do sistema de transporte público por ônibus), datado de 20 de fevereiro de 2002: "Esta situação está impossibilitando a evolução dos projetos, comprometendo seriamente o planejamento estabelecido para a implantação deste corredor".

O interlocutor da empresa era o então gerente de contratos da Gautama, Bolívar Saback -um dos presos na Operação Navalha-, que escreveu à SPTrans em 17 de junho de 2002, reclamando prejuízos na renegociação. Cinco dias depois, um documento interno da autarquia expôs o episódio à diretoria: "A repactuação jamais provocaria o desequilíbrio financeiro-econômico (...) Ressaltamos a imensa dificuldade de contatar os representantes da construtora em São Paulo, o que impede a continuidade das negociações".

A Gautama chegou a ameaçar não mais realizar a obra, o que atrasaria ainda mais sua execução, tendo em vista que uma nova concorrência teria de ser aberta. As partes, enfim, chegaram a um acordo, oficialmente acertado em 18 de julho de 2002. Assinaram o documento Bolívar Samack, pela Gautama, Carlos Carmona, então presidente da SPTrans, e Carlos Zarattini, secretário de Transportes e hoje deputado federal pelo PT.

Haveria ainda mais cinco aditivos, dois deles prorrogando o prazo de entrega da obra e outros dois repactuando preços de materiais de construção utilizados pela construtora. Somente o último deles, assinado em novembro de 2003, aumentaria o valor do contrato no limite autorizado pela lei de licitações: 25%. O acréscimo foi de R$ 2,7 milhões, valor referente a fevereiro de 2003. A obra foi concluída em 30 de junho de 2004. Um dia depois, iniciava-se a campanha de Marta à reeleição, para a qual a Gautama doou R$ 200 mil. O Tribunal de Contas do Município de São Paulo não analisou as contas referentes a este contrato, uma vez que faz verificações por amostragem. O BNDES, um dos fomentadores dos recursos para a obra, informou que não houve irregularidades com seus recursos. O aval do BNDES é citado pelos assessores da ministra em defesa da obra.

O contrato com a SPTrans, foi o único obtido pela empresa na Prefeitura de São Paulo. A Gautama também tentou, sem sucesso, participar de outras obras-vitrines da gestão da petista, como a construção dos Centro Educacionais Unificados (CEUs). No Estado, a construtora tentou se envolver com obras no Departamento de Estradas de Rodagem e da unidade industrial farmacêutica da Fundação para o Remédio Popular (Furp), tocada na gestão do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Não conseguiu nenhum deles.

Na gestão do governador José Serra (PSDB), a Gautama integrou, junto com a empresa Gomes Lourenço, o consórcio vencedor de uma licitação feita pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), uma empresa de economia mista e de capital aberto, que tem como principal acionista o governo paulista.

Tratava-se do lote 8 do Programa de Recuperação Ambiental da Baixada Santista, para a execução de obras de saneamento ambiental na cidade de Peruíbe, litoral sul do Estado. O preço homologado do contrato foi de R$ 148, 5 milhões. A assinatura dos contratos ocorreu no dia 5 de março, com a presença de Serra e do embaixador do Japão no Brasil, Ken Shimanouchi, cujo país, ao lado do BNDES, financiou o projeto. Na ocasião, o governador disse que "essa não é uma obra que se vê, é um investimento que vai pra baixo da terra, é invisível, mas muito visível do ponto de vista de melhoria das nossas condições de vida".

Na semana passada, com o advento da Operação Navalha e das acusações que caíram sobre a Gautama, a Sabesp se apressou em soltar uma nota afirmando que, em relação ao lote vencido pela Gautama, "embora os trâmites legais tenham sido cumpridos, o contrato para execução da obra não foi assinado, não ocorreram desembolsos nem as obras foram iniciadas". Informou ainda ter encaminhado o processo de licitação para análise do Tribunal de Contas do Estado. Ontem, a assessoria da empresa informou que na solenidade de março foram assinadas as parcerias da Sabesp com os prefeitos dos municípios beneficiários,e não com as empresas vencedoras.

Embora tenha transferido sua sede para a capital paulista em 1996, o fato é que a Gautama nunca conseguiu vencer as concorrências das grandes obras tocadas no Estado. Sua atuação no Estado se deu mais na Grande São Paulo e no interior. O contrato mais antigo no Estado foi firmado no ano da transferência para a capital paulista, em 1996, no município de Presidente Prudente, importante pólo agropecuário localizado a 565 quilômetros a oeste da capital. Contratada para a canalização de córregos, naquele ano, o prefeito era Agripino de Oliveira Lima Filho, que passou pelo PFL, PTB e hoje está no PSC. Ele voltaria a vencer as eleições de 2000 e 2004. No mês passado, porém, foi cassado por ter comprado, em sua primeira gestão, um maquinário alemão para o planetário municipal, sem licitação. A empresa continua atuando na cidade até hoje.

O melhor contrato no Estado, porém, foi em Mauá (Grande São Paulo), feito em 2003, na gestão do então prefeito Oswaldo Dias (PT), no valor de R$ 1,623 bilhão. O acerto foi feito via Ecosama, concessionária do serviço de esgoto na cidade e que Zuleido Veras é proprietário. O Ministério Público suspeita de irregularidades na licitação e investiga a concorrência.