Título: BC passa o ano tentando impor seu pessimismo com as atas do Copom
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2004, Finanças, p. C2

A política monetária encerra o ano da mesma forma que começou: com ata mais dura do que o esperado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que busca cortar o otimismo que contagia o mercado financeiro. A diferença entre um período e outro, na opinião de analistas econômicos, é que agora o susto no mercado foi bem menor, graças ao aprimoramento ocorrido no comunicação do BC ao longo deste ano. Mas o episódio recente revela os percalços enfrentados pelo BC para dar credibilidade à política de juros. Duas informações da ata de dezembro, divulgada na antevéspera de Natal, estavam fora do esperado pelo mercado: 1) a sinalização de que o ciclo de alta de juros, que colocou a taxa nos 17,75% ao ano atuais, pode não ter chegado ao fim; 2) o recado de que, findo o processo de aperto moderado no juro, a taxa permanecerá em nível elevado por mais tempo do que esperado. O tom mais duro da ata do Copom teve o propósito claro de fazer o mercado elevar os juros futuros relativos a meados de 2005, desmontando a aposta num afrouxamento da política monetária. Ou seja: o mercado estava mais otimista do que o BC. O grande mistério é o porquê dessa divergência de opiniões entre mercado e BC, mesmo depois de todo o aprimoramento na comunicação do Copom. "O BC vem mantendo um discurso coerente de aperto na política monetária pelo menos desde julho deste ano", afirma Luís Fernando Lopes, economista-chefe do Pátria Hedge Funds. "O mercado, de forma geral, resistia em ler essa mensagem porque considera o objetivo de uma inflação de 5,1% em 2005 muito ambicioso, e acreditava que o BC pudesse perseguir uma meta uma pouco mais elevada." Sob a presidência de Henrique Meirelles, o BC nem sempre teve uma comunicação sem ruídos com o mercado. Muitos operadores ainda recordam a súbita interrupção no afrouxamento da política monetária em janeiro passado, depois de uma seqüência de cortes de dez pontos percentuais na taxa básica, e a ata extremamente conservadora divulgada logo em seguida. A partir de julho deste ano, porém, o BC começou a dar mostras de que prezava as virtudes de uma política monetária mais previsível. O grande dilema dos BCs do mundo todo é que eles têm controle apenas sobre a taxa básica de curtíssimo prazo, enquanto os juros futuros mais longos é que têm influência real sobre a atividade econômica e inflação, pelo canal do crédito. Quanto mais previsível um BC, maior sua credibilidade perante o mercado, e menor os custos para moldar a taxa de juros futuros. Em julho, o BC acenou pela primeira vez com uma política monetária mais dura, ao dizer que a manutenção dos juros, então em 16% ao ano, "por um período prolongado de tempo deverá permitir um cenário benigno para a inflação". Com essa frase, cortou a expectativa de retomada nos cortes de juros no curto prazo. De forma suave, porém, já naquele mês o Copom dizia que estava pronto "para adotar uma postura um pouco mais ativa". No mês seguinte, agosto, a ata deixou claro que a hipótese de alta de juros se tornara mais provável do que a de manutenção da taxa básica. Quando de fato subiu os juros, em setembro, o Copom preferiu 0,25 ponto percentual, para "tornar o mais suave possível a inflexão da taxa básica e minimizar os riscos de turbulências no primeiro impacto". Em outubro e novembro, as altas foram mais fortes, de 0,5 ponto percentual cada. E as atas trouxeram nas entrelinhas a possibilidade de um ritmo mais intenso, caso as expectativas de inflação do mercado não melhorassem e a cotação do petróleo seguisse a trajetória de alta. Em cada uma das sinalizações do BC, os juros futuros responderam adequadamente, embutindo o endurecimento da política. O economista-chefe da Gap Asset Management, Alexandre Maia, nota que, mesmo com todo esse aperto na política monetária, o mercado vinha trabalhando com uma expectativa média de inflação de 5,76% para 2005. "Isso era um sinal de que o mercado não acreditava que o BC estivesse disposto a pagar o preço da desaceleração do crescimento necessária para fazer a inflação cair a 5,1%", afirma. "Com a ata, ficou claro que a meta é esta mesmo, e que o BC não vai sancionar a inflação maior esperada pelo mercado." O problema, na visão de Lopes, do Pátria, é exatamente este: aos olhos do mercado, a meta de inflação parece excessivamente ambiciosa, o que de fez muitos analistas apostarem que o BC iria jogar a toalha prematuramente. "É um erro: esse BC já deu sinais que não abre mão da meta antes do início do ano", afirma. Como, aos olhos do mercado, a meta que o BC persegue é pouco crível, o nível de taxas de juros para atingi-la tende a ser mais elevado. O analista do FinanBank Pedro Paulo B. da Silveira chama a atenção para a irracionalidade desse processo. O juro real saltou para a casa de 11,5% ao ano, percentual extremamente elevado, para que o BC desinflacione a economia o equivalente a 0,66 ponto percentual. O "trágico", assinala, é que é pouco provável que os analistas de mercado revejam suas expectativas, que têm alguma rigidez em virtude de preços indexados. Outro dado que levanta dúvidas sobre a credibilidade na atuação do BC é o fato de que a autoridade monetária projeta uma inflação para 2005 menor do que o mercado. O último número conhecido, que veio a público em setembro, dá conta de uma inflação de 5,6%. A sua nova projeção será conhecida nesta semana, com a divulgação do relatório de inflação, mas a ata divulgada na semana passada diz que o percentual recuou. Nas contas de Marcelo Salomon, economista-chefe do Unibanco, estaria entre 5,2% e 5,3%, com os juros fixados em 17,75% ao ano. De forma reservada, alguns analistas econômicos afirmam que não são desprezíveis os efeitos do chamado "fogo amigo" sobre a credibilidade da política monetária. Nas duas últimas semanas, reacenderam as críticas de setores do PT contra a política monetária, e boatos sobre a demissão dos diretores do BC mais identificados com a ala mais austera do Copom. Há cerca de dez dias, informações partidas de fontes do próprio governo de que o BC iria mirar uma inflação de 5,3% em 2005 fizeram recuar os juros futuros. O BC foi obrigado a divulgar um desmentido, mas episódios como esses exigem juros mais altos para atingir os mesmos objetivos na inflação.