Título: Argentina já tem apagão por falta de energia e gás
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, Internacional, p. A13

A ameaça de "apagão" se concretizou esta semana na Argentina. Na segunda-feira à noite, por volta de 19h30, faltou luz em quase toda a capital portenha, atingindo inclusive os bairros mais abonados (Palermo, Recoleta e Barrio Norte), que até agora tinham sido poupados de outros cortes pontuais de energia. A demanda por eletricidade bateu o recorde de 18,3 Megawatts (MW), bem acima do recorde anterior de 17,4 MW registrado em agosto do ano passado, quando o debate sobre a crise energética estava no auge.

A ameaça de desabastecimento não atingiu só a energia elétrica. Também faltou gás em 44 das 720 escolas da capital e em dezenas de residências, interrompendo a calefação - praticamente todos os edifícios públicos, privados e residências têm sistemas de aquecimento a gás. Para complicar ainda mais o quadro, no fim da tarde a Sociedade Rural Argentina divulgou um comunicado alertando para a falta de diesel nas regiões agrícolas de Puerto Deseado, Santa Cruz, Curuzú Cuatiá, Corrientes, Buenos Aires, Entre Ríos e Santa Fé.

O motivo da falta de eletricidade e gás foi a queda brusca da temperatura, que levou a população a acionar todos os aparatos de aquecimento do ar e da água. Em pleno outono, a temperatura baixou a 1ºC em Buenos Aires e 18ºC negativos nas províncias do Sul.

Para minorar os efeitos do excesso de demanda, o governo ordenou que as indústrias e o comércio reduzissem seu consumo a fim de priorizar o atendimento às residências. A crise energética ultrapassou as fronteiras argentinas. O governo mandou suspender o fornecimento de gás para o Chile, provocando a reação do governo vizinho (leia matéria abaixo). O envio de gás ao Chile, que por contrato deveria ser de 20 milhões de metros cúbicos em média, baixou na segunda-feira para apenas 2 milhões.

"Está claro que o setor energético argentino não tem investimentos [em ampliação da oferta] condizentes com o crescimento da demanda", avaliou Luciana Dias Frers, diretora do Cippec, centro de estudos de políticas públicas.

Uma fonte do governo, que pediu para não ser identificada, explicou que esta semana se combinaram circunstâncias distintas que desencadearam o apagão em várias zonas da capital e da grande Buenos Aires. "A explicação é mais complexa que a falta de investimentos porque, somado ao recorde de baixa da temperatura, a demanda atingiu o 18.300 MW/h", disse.

Questionado sobre os resultados de investimentos anunciados no ano passado, quando todos os analistas já alertavam para o risco de "apagão" no país em 2007, a fonte respondeu que há obras estatais de expansão em andamento, que terão sua maturação em 2009, como a de ampliação da capacidade da usina hidrelétrica de Yaciretá, que a Argentina partilha com o Paraguai, e em 2010, como a construção da usina nuclear de Atucha 2, além de outras como a extensão em 500KV da capacidade da rede de transmissão. Há também investimentos privados, como o aumento da geração de centrais térmicas da companhia Pampa Holding e Sadesa. Todas com projeção de término a médio e longo prazo. A previsão de conclusão da Central Térmica San Martín (Rosário) e Belgrano (Campana) é 2008.

A conjunção de fatores negativos culminou com defeitos técnicos apresentados há um mês em algumas centrais como a nuclear Atucha 1 e Central Puerto, e o incêndio em uma estação transformadora em Buenos Aires, que restringiram a oferta no momento de pico de demanda. "O setor energético tem naturalmente um desequilíbrio estrutural", diz Luciana Dias Frers. "No mundo inteiro se questiona as matrizes e há déficit de investimentos, o que na Argentina está agravado pelas distorções de preços e acordos tarifários ainda pendentes", afirma.

"O problema se centra basicamente na alta dependência que tem a matriz energética argentina dos combustíveis hidrocarbonetos. Está claro que hoje a Argentina apresenta sérias dificuldades para manter o atual esquema", reconheceu a fonte do governo.