Título: As favelas e o PAC
Autor: Mata, Daniel da
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, Opinião, p. A16

O governo federal lançou, recentemente, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC consiste basicamente em medidas de desoneração fiscal, de controle de gastos públicos com pessoal, de melhoria do ambiente de negócios, de incentivos setoriais e investimentos em setores de infra-estrutura logística e social. Essas políticas visam atingir o objetivo precípuo do programa: alavancar o crescimento econômico do Brasil. O presente artigo não procura contemplar e entrar no mérito da miríade de questões que o plano objetiva preencher, mas somente no potencial impacto de algumas medidas no PAC sobre o processo de favelização das cidades do Brasil. Por processo de favelização, entende-se o crescimento do número de pessoas que habitam moradias irregulares e sem infra-estrutura social básica (saneamento, iluminação pública, calçamento, entre outros).

Nas últimas décadas, as cidades do Brasil presenciaram o elevado crescimento de suas favelas e, concomitantemente, dos problemas associados a elas (criminalidade, diversos problemas atinentes à saúde pública, entre outros). Neste mesmo período, algumas medidas de políticas públicas foram tomadas a fim de incentivar a formalização no mercado habitacional e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos residentes em áreas irregulares. Medidas como a regularização fundiária e a provisão de serviços públicos para moradias em áreas selecionadas tornaram-se extremamente relevantes. Algumas cidades do Brasil, com ou sem a ajuda do governo federal, têm implementado essas (e outras) políticas que, de fato, podem melhorar a vida de parcela considerável da sociedade brasileira.

Não obstante a pertinência do tema, pouco se tem estudado, entre os economistas, os determinantes do processo de favelização. O que faz uma cidade ter mais favelas que outras? Qual o papel do crescimento econômico no referido processo? Por que algumas cidades possuem uma legislação urbanista com parâmetros mais exigentes que outra cidade, até mesmo vizinha? Qual o impacto do formato da legislação sobre o surgimento e aumento do número de pessoas vivendo em favelas? Sabemos o que fazer para, ao menos, estancar o processo de favelização das cidades do Brasil?

Em recente artigo acadêmico em parceria com pesquisadores do Banco Mundial, analisei, entre outros fatores, qual o impacto do crescimento de renda e do crédito da população favelada sobre sua inserção do mercado habitacional formal. A intuição central do artigo é que o mercado habitacional "informal" (leia-se favelas, cortiços e loteamentos irregulares) surge como falha do mercado habitacional "formal" de atender à demanda existente. O artigo acadêmico somente trata do caso das favelas, dada a inexistência de banco de dados para se estudar os outros casos de habitações irregulares para todas as cidades do Brasil.

Estimou-se a elasticidade de oferta de habitações formais das cidades brasileiras entre 1980 e 2000 e chegou-se ao resultado de que a oferta habitacional formal é muito inelástica (isto é, um aumento da demanda faz os preços subirem proporcionalmente mais que a quantidade).

-------------------------------------------------------------------------------- Com aumento de crédito ou renda há um maior processo de formalização no mercado habitacional das cidades brasileiras --------------------------------------------------------------------------------

Averiguou-se, da mesma forma, que a magnitude da elasticidade da oferta do mercado brasileiro é similar ao de países como Malásia e Coréia do Sul, onde os mercados de terras são tidos como altamente regulados.

A inelasticidade da oferta implica que um aumento de demanda por habitação pode acarretar um aumento de preço da moradia de tal forma que a população menos abastada deve achar outras formas de moradia que não a residência formal. Em outras palavras, características peculiares ao funcionamento do mercado habitacional das cidades fazem com que grande parte da população do Brasil viva em favelas.

O modelo econômico desenvolvido expõe que, dado um crescimento na renda (ou no crédito), o comportamento dos agentes econômicos perante a formalização no mercado habitacional é ambíguo. Por um lado, o aumento de renda aumenta as possibilidades de aquisição de uma moradia formal. Por outro lado, um maior número de pessoas terá a mesma oportunidade e, como a oferta no mercado habitacional do Brasil é bastante inelástica, o efeito do aumento de preço decorrente talvez suplante o ganho de renda (ou de crédito). O trabalho visou, exatamente, averiguar qual dos dois fatores (renda ou preço) domina o mercado formal de moradias. De acordo com as estimativas econométricas obtidas, o efeito renda é o mais relevante, isto é, dado um aumento de renda (ou de crédito), há um maior processo de formalização no mercado habitacional das cidades brasileiras.

Algumas das medidas na área de habitação incluídas do PAC visam incentivar a construção de habitações populares, a urbanização de áreas residenciais e a tomada de crédito no setor de crédito habitacional. A priori, o maior objetivo dessas medidas do programa é incentivar a diminuição do déficit habitacional no Brasil. Os resultados do trabalho acadêmico supracitado suportam os objetivos do PAC e sugerem que, na verdade, o programa, se bem-sucedido, poderá ter um efeito duplamente benéfico sobre a (diminuição da) favelização: crescimento econômico e maior disponibilidade de crédito são meios de aumentar a formalização do mercado habitacional.

Existe um consenso no debate político e na sociedade em relação às cidades do Brasil: os grandes centros urbanos estão congestionados. Além desse, o de que os problemas urbanos existentes serão amplificados com o crescimento populacional estimado para as próximas décadas. As medidas pregadas no PAC, uma vez colocadas em prática, e o Brasil atingindo seus objetivos de crescimento econômico, poderão incentivar a formalização do mercado habitacional das cidades.

Daniel da Mata é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). E-mail: daniel.damata@ipea.gov.br