Título: Os créditos nos tratados internacionais
Autor: Fernando Bonfá de Jesus
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2004, Legislação & Tributos, p. E2

Operações internacionais geram créditos tributários no exterior. É diante deste cenário que os tratados internacionais que têm o objetivo de evitar a dupla tributação passaram a ser instrumentos vitais na formação do preço de um serviço contratado do exterior, na remessa de dividendos apurados pela subsidiária brasileira para sua controladora, no pagamento de royalties ou no ganho de capital auferido por não-residente. A importação de capital estrangeiro é de extrema importância para um país em desenvolvimento como o Brasil. A concessão de incentivos fiscais é uma das formas utilizadas pelo governo brasileiro para criar um ambiente favorável e atrativo que justifique ao não-residente a realização de grandes investimentos no país, tais como nos setores de telecomunicações, de petróleo e gás, de energia elétrica e em rodovias, entre outros. Além da política interna adotada pelo Brasil, os tratados internacionais celebrados entre o Brasil e os países listados no Ato Declaratório SRF nº 31/98 - Chile e Paraguai - estabelecem, em regra, a possibilidade do aproveitamento integral do imposto de renda retido pela fonte pagadora em favor do governo brasileiro. Essa relação de reciprocidade entre os países signatários de tratados internacionais é estimulante e confortável para o investidor estrangeiro que realiza negócios no Brasil, pois há a garantia de que o seu rendimento não será duas vezes tributado (uma no Brasil e outra em seu país de origem). Em outras palavras, o Brasil recebe o imposto sobre o rendimento que um não-residente auferiu em seu território e este último, por sua vez, não terá que pagar imposto de renda no seu país de origem, ou seja, o valor já desembolsado para o pagamento do imposto de renda no Brasil será um crédito fiscal a favor do não-residente em seu país de origem. Contudo, a sistemática acima descrita pode ser ainda mais vantajosa para o capital estrangeiro. Alguns países celebraram tratados com o Brasil reconhecendo o direito ao aproveitamento integral do crédito do imposto de renda, independentemente do imposto não ter sido integralmente pago em razão de uma isenção ou de uma alíquota inferior àquela prevista pelo tratado assinado entre os dois países. Isto é, a legislação interna brasileira, em alguns casos, atribui uma carga tributária inferior àquela prevista pelos tratados, favorecendo o não-residente. De um modo geral, sob a ótica técnica, a primeira situação é denominada de "tax sparing", e a segunda de "matching credit". A meu ver, o empresário não deve preocupar-se com a terminologia técnica, mas sim com a eventual vantagem financeira que a atenta leitura dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação pode acarretar no momento do pagamento de royalties, na remessa de dividendos para o controlador estrangeiro ou ainda no ganho de capital auferido no Brasil, entre outros. Já é sabido que, desde o ano de 1996, a legislação brasileira do imposto de renda prevê a não-tributação dos dividendos, inclusive na remessa de dividendos para o controlador estrangeiro de subsidiária brasileira. Pois bem, agora imaginemos que o Brasil tenha assinado um tratado com um dos países listados no ato declaratório supramencionado, e que o tratado permita ao beneficiário dos dividendos, no seu país de origem, reconhecer um crédito de imposto de renda na fonte à alíquota de 25%. Sem dúvida, este é o sonho de qualquer diretor financeiro de multinacional, ou seja, o de aumentar o valor dos seus ativos (crédito do imposto de renda na fonte) sem ter a contrapartida do desencaixe financeiro, pois não houve retenção do imposto pela fonte pagadora (subsidiária brasileira). O cenário acima descrito não é hipotético, entre outros casos que envolverem Brasil e Japão. Situação similar de direito ao aproveitamento de crédito em valor superior ao valor do imposto efetivamente retido no Brasil também é comum com a Áustria, na hipótese do não-residente auferir ganho de capital no Brasil (15% de imposto de renda na fonte contra um crédito presumido de 25% na Áustria). Cabe ressaltar que é sempre necessário analisar cuidadosamente a natureza do pagamento que está sendo realizado, caso contrário o beneficiário estrangeiro pode não fazer jus às vantagens fiscais do "tax sparing" ou do "matching credit" previstas nos tratados internacionais bilaterais. Não restam dúvidas de que a aplicação do disposto nos tratados internacionais traz maior poder de negociação para as empresas brasileiras. O valor do crédito presumido aproveitado pelo beneficiário estrangeiro deve ser sempre levado em consideração na realização de um negócio no Brasil. Em suma, o empresário brasileiro tem o dever de barganhar e de dividir com o capital estrangeiro a vantagem financeira que este aproveita em razão do que está disposto nos tratados internacionais, haja vista o caso da Áustria, na hipótese do ganho de capital.